TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
669 acórdão n.º 424/20 planos de contingência face a situações de emergência ou tão graves como de calamidade pública, dispondo-se no seu artigo 17.º, dispõe-se que “De acordo com o estipulado na base XX da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de atividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação.” Acrescentando o seu n.º 3 que “As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.” Mas como decorre da leitura de tal artigo, o que ali se dispõe carece de densificação, isto é, maior concretização. E a questão do confinamento compulsivo em caso de doenças contagiosas, e os termos em que o mesmo deve ocorrer, é uma questão premente, e que não encontra suporte no artigo 27.º, n.º 3, da CRP, designadamente na sua alínea h) , onde apenas se prevê o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento tera- pêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. Urge legislar sobre tal matéria, estabelecendo-se, de modo claro, os princípios fundamentais a que deve obedecer, deixando os aspetos detalhados para o direito derivado – e somente esses. Pois, como refere o Professor Gian Luigi Gatta, que aqui citamos numa tradução livre, “neste momento, as energias do país estão focadas na emergência. Mas a necessidade de proteger os direitos fundamentais, também e acima de tudo em caso de emergência, exigindo-se aos Tribunais que façam sua parte. Porque, além da medicina e da ciência, também o direito – e o direito dos direitos humanos em primeiro lugar – devem estar na vanguarda: não para proibir e sancionar – como está sendo sublinhado demais nos dias de hoje – mas para garantir e proteger todos nós. Hoje a emergência é chamada de coronavírus. Nós não sabemos o amanhã. E o que fazemos ou não fazemos hoje, para manter a cumprimento dos princípios fundamentais do sistema, pode condicionar o nosso futuro.” (in I diritti fondamentali alla prova del coronavirus. Perché è necessaria una legge sulla quarantena ) […] Em síntese e em jeito de resposta às três questões inicialmente equacionadas, concluímos que: – o confinamento obrigatório a que o requerente se encontra sujeito pela Autoridade de Saúde Regional consubs- tancia uma privação da liberdade e não apenas uma limitação do seu direito de circulação; – na ausência de previsão procedimental própria, que preveja a sindicabilidade sistemática pela via judicial daquela decisão de confinamento, ainda que na vertente de validação subsequente – é legítimo o recurso pelo requerente ao mecanismo extraordinário de habeas corpus previsto no artigo 31.º, da CRP; – a determinação de confinamento imposta ao requerente pela Autoridade de Saúde Regional funda-se na Resolu- ção do Conselho do Governo n.º 123/2020, que mantém em vigor, nos termos do seu ponto, 11, as determinações impostas na Resolução do Conselho do Governo n.º 77/2020; – a Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, ao manter a determinação de confinamento obrigatório, por catorze dias, em unidade hoteleira, imposta aos passageiros que aterrem na Região Autónoma dos Açores, tal como sucedeu com o requerente, é formal, orgânica e materialmente inconstitucional, por desconformidade com o disposto nos artigos 1.º, 13.º, 18.º, 20.º, 27.º, 165.º, n.º 1, alínea b), 225.º, n.º 3, 227.º, n.º 1, alínea b) e 228.º, da Constituição da República Portuguesa. Razões porque, em suma, consideramos fundado o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente, res- tando decidir em conformidade. […]” (itálicos acrescentados). 1.2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), tendo por objeto as normas cuja aplicação foi recusada – as contidas no “[…] artigos 9.º, 10.º 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2019, de 22 de novembro, e nos pontos 3, alínea e) , e 11 da Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, também na parte em que remete para a Resolução do Conselho do Governo n.º 77/2020, nos
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=