TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

668 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL vinham visitar ou com quem vinham passar algum tempo para fortalecer laços familiares – aliás, e fazendo aqui um breve parêntesis, a questão do confinamento obrigatório afeta de forma indelével o cumprimento das responsabi- lidades parentais, criando um obstáculo quase intransponível ao direito de visitas nas situações em que a criança resida em local geograficamente descontinuado em relação a um dos progenitores), tendo estes (não residentes) de custear o confinamento imposto, e sendo o confinamento daqueles (residentes) custeado através do Programa 4. Do Plano Regional Anual para 2020, conforme decorre da alínea e) do ponto 3 da Resolução 123/2020, e ponto 6 da Resolução 77/2020. […] Em suma, pelo que supra consignamos, entendemos que ainda que não padecesse de inconstitucionalidade formal e orgânica, sempre se verificaria a inconstitucionalidade material da obrigação de confinamento obrigatório por violação dos princípios da liberdade, da igualdade e da proporcionalidade (nas suas vertentes de necessidade e proibição de excesso). […] Mas ainda que se admitisse que não se verificavam nenhuma das inconstitucionalidades supra apontadas, há um vício de que padece e que cremos ser inequívoco: a inexistência de um regime procedimental que permita a sindicabilidade da decisão de confinamento obrigatório – nada é regulado a tal título em nenhuma das resoluções . E se a Resolução do Conselho do Governo n.º 77/2020 ainda tinha o respaldo do estado de emergência e, conse- quentemente, valia o disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea a) , da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, na Resolução n.º 123/2020 não se fixa nenhum procedimento que garanta a comunicação a quem fica sujeito ao confinamento dos motivos desse confinamento, quais os seus direitos e qual o modo de sindicar a decisão. E a questão pro- cedimental não é de menos importância, pois a ausência da sua regulamentação implica uma insindicabiliadde sistemática pela via judicial, quer de modo antecipado quer na vertente de validação subsequente, como ocorre na previsão da Lei n.º 44/86. E nesse caso, apenas resta o recurso ao meio extraordinário do habeas corpus . No caso em apreço, conforme resulta claramente da factualidade apurada, para além do panfleto com informações sobre o Coronavírus e as regras de etiqueta social, e indicação de dois números telefónicos, um para questões médicas e outro para outras questões, nada mais foi entregue ao requerente (nem a nenhum outro passageiro que aqui desembarcou). Em momento algum lhe foram comunicados os direitos que tinha e qual o modo de os poder fazer valer caso entendesse que estavam a ser violados. E nada lhe foi comunicado, porque a Resolução não prevê tal procedimento. Estamos, pois, perante uma absoluta ausência de informação sobre os mecanismos de acesso ao direito , o que configura uma flagrante violação não só do disposto no n.º 4 do artigo 27.º, da CRP, que impõe que “Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.”, como do artigo 20.º, da CRP, que dispõe no seu n.º 1 que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”, acrescentando o seu n.º 5 que ”Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”. Aliás, a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no n.º 4 do seu artigo 5.º, prevê de modo expresso que “Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. […] Por fim, não podemos deixar de sublinhar que no caso em apreço não temos dúvidas que a medida de confi- namento obrigatório implementada pelo Governo Regional pretende a segurança daqueles que aqui residem, mas qualquer medida – mesmo que seja para o bem comum – tem ainda assim de respeitar os princípios constitucionais que regem um Estado de direito, e a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, que se baseia no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, como flui expressamente do artigo 2.º da CRP. Cremos que o afloramento a tal possibilidade de confinamento surge apenas na Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, que institui um sistema de vigilância em saúde pública, que identifica situações de risco, recolhe, atualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública, bem como prepara

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