TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

667 acórdão n.º 424/20 sujeitos ao confinamento obrigatório ficam ainda sujeitos a custearem integralmente o confinamento que lhes é imposto [cfr. alínea e) do n.º 3 da referida Resolução]. Não nos parece que o confinamento obrigatório decretado sem ter por base uma comprovada ou suspeita infeção, apenas porque se desembarcou na ilha, satisfaça o requi- sito da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso prevista no n.º 2 do artigo 18.º, da CRP. Nunca a determinação de confinamento obrigatório, como radical privação da liberdade, pode configurar ato arbitrário, mas antes proporcional, reclamando uma adequada ponderação entre a privação da liberdade (que no caso do requerente é praticamente total, sendo fraca mitigação a possibilidade conferida de regressar ao local de origem) e o valor da saúde pública (este um bem difuso). Ora, a Orientação 10 de 16.3.2020 da Direcção-Geral da Saúde (DGS), em que se louvava expressamente a Resolução 77/2020, distingue, para efeitos de prevenção epidemioló- gica entre “quarentena” e “isolamento” (não são conceitos jurídicos, ao contrário do que por vezes se crê) dispondo que a primeira “é utilizada em indivíduos que se pressupõe serem saudáveis, mas possam ter estado em contacto com um doente infecioso”, enquanto o “isolamento é a medida utilizada em indivíduos doentes, para que através do afastamento social não contagiem outros cidadãos.” E, por fim, a própria Direcção Regional da Saúde (DRS), através da Circular 8-B/2020, dispõe o que é “caso suspeito” e “caso provável”, aliás de modo muito exigente, neles não cabendo qualquer cidadão saudável só por desembarcar numa ilha. Mas mesmo admitindo a possibilidade de ser determinado aquele confinamento obrigatório profilático, dificilmente poderá ter cabimento a determinação de autoridades de saúde confinando residentes no arquipélago, naquelas condições, “noutro local” que não o domi- cílio. Tanto mais que quando qualquer pessoa que resulte positivo à Covid-19, desde que não tenha um quadro clínico que necessite de cuidados médicos acrescidos, e não tenha desembarcado no aeroporto, faz a quarentena no seu domicílio, sendo vigiado clinicamente por telefonema da Linha Saúde e passagem pela PSP no local, duas vezes por dia. Não são apresentados, sendo esse um ónus de quem quer proceder a limitações da liberdade, elementos empíricos que justifiquem esse modo de proceder. E assim ele continua a violar o princípio da proporcionalidade, agora na vertente da necessidade, também prevista no n.º 2 do artigo 18.º, da CRP. Isto é tão mais verdade quando se apura que a vigilância a que são sujeitos é efetuada através de chamada telefónica diária, pela Linha Saúde, e não por observação de médico que compareça no local do confinamento; não têm sido sujeitos a teste de despiste para a Covid-19, à chegada, e apenas têm realizado, na generalidade dos casos, teste no final do confinamento (ou 2 a 3 dias antes do termo dos 14 dias). Mas não deixa de ser igualmente perturbadora a circunstância de vigorando o estado de calamidade em todo o país, conforme decorre Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, qualquer residente no continente possa desembarcar em qualquer aeroporto do continente e dirigir-se livremente para casa, mas nas Regiões Autónomas tenha que ficar confinado num hotel. Aliás, paradigmático desse tratamento desconforme é a situação do próprio requerente: regressou do estrangeiro, desembarcou no aeroporto de Lisboa no dia 8.05.2020, e não lhe foi imposta qualquer restrição de circulação; embarcou para S. Miguel, 2 dias depois, ilha onde tem a sua casa de morada de família e onde reside em permanência a sua mulher, e ao invés de ir para sua casa, é conduzido a um quarto de hotel, onde tem de permanecer confinado 24 horas por dia, durante 14 dias, sem poder sequer vir ao corredor. Confinado num hotel sem estar infetado ou haver suspeitas fundadas de o estar, quando outros que estão efetivamente infetados permanecem no seu domicílio. No caso concreto, o requerente pelo menos tem a vantagem de ter aqui residência, se assim não fosse ainda se via onerado com o custear integral do confinamento que lhe foi imposto. Naturalmente que admitimos a existência de tratamentos diferenciados, mas desde que assentem em fatores objetivos e objetiváveis e de modo proporcional, em conformidade com o disposto nos n. os 2 e 3 do artigo 18.º, da CRP, e sem perder nunca de vista o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, da CRP, o qual dispõe que: “1 – Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2 – Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” E a esta luz temos dificuldade em aceitar não só o confinamento obrigatório de pessoas que não estão infetadas nem há suspeita de que o estejam, quando con- frontado com a permanência domiciliária daqueles que estão efetivamente infetados; como também a diversidade de tratamento entre aqueles que estando confinados obrigatoriamente por força da mesma Resolução do Conselho do Governo aqui têm residência e aqueles que aqui a não têm (mas que podem ter aqui familiares e amigos que

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