TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

666 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E se assim é, a resposta à questão supra colocada terá de ser, então, negativa. O Governo Regional não tem competência para restringir direitos, liberdades e garantias, mesmo tendo em conta o tempo de pandemia que vivemos. Com a cessação do estado de emergência, ao abrigo do qual surgiu, e encontrou respaldo, a Resolução n.º 77/2020, cessaram as restrições que foram impostas a direitos constitucionais, como o direito à liberdade, os quais readquiriram a sua plenitude. Como refere o Professor Vital Moreira: “A passagem do estado de emergência para um nível inferior de gravi- dade (calamidade pública) obriga o Governo a levantar suspensões de direitos atualmente decretadas» (…) « “O estado de calamidade administrativo [que só requer aprovação no Conselho de Ministros, não passando pela AR nem pelo Presidente da República] não pode fazer o que só o estado de exceção constitucional, por decreto presi- dencial, pode fazer, ou seja, suspender direitos; O estado de calamidade não pode, porém, afetar direitos que não podem ser restringidos em situações de normalidade constitucional, como é o caso, por exemplo, da proibição de internamento compulsivo (salvo por anomalia psíquica), da inviolabilidade da habitação, e da liberdade de culto ou do direito à greve” porque “estes direitos só podem ser afetados por via de declaração do estado de exceção constitucional (estado de sítio ou estado de emergência), decretado pelo PR com aprovação da AR, nos termos constitucionais.”(in https://www.dn.pt/poder/vital-moreira-calamidade-publica-nao-permite-suspensao-de-direitos ) . É certo que pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, foi declarado estado de calamidade em território nacional até às 23h59m do dia 17.05.2020, mas para além de não ser este o respaldo legal invocado pelo Governo Regional na sua Resolução n.º 123/2020, também aquela resolução do Conselho de Ministros não é tão restritiva como é a Resolução n.º 123/2020, não impondo qualquer confinamento obrigatório profilático a pessoas que desembarquem em aeroportos portugueses – quer tenham vindo do estrangeiro quer de território nacional. Aliás, até o confinamento obrigatório de uma parte da população (pessoas com mais de 70 anos, por exemplo), medida que vinha a ser falada como devendo ser imposta aquando da declaração do estado de calamidade, acabou por não ser levada àquela Resolução 33-A/2020, pelos problemas de constitucionalidade que levantava. Com efeito, a Lei de Bases da Proteção Civil, à luz da qual foi imposto o estado de calamidade, não foi dese- nhado para ser implementado a nível nacional e no contexto de uma pandemia, podendo levantar problemas de constitucionalidade quando restrinja direitos fundamentais. O que se compreende, pois, como bem nota a Raquel Brízida Castro, insigne professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e investigadora principal do Centro de Investigação de Direito Público, especialista em Direito Constitucional, “Se o Governo pudesse fazer a mesma coisa, ao abrigo da lei de bases da Proteção Civil, que fez ao abrigo do estado de exceção, então para que é que serviria o estado de exceção? O Governo não pode estabelecer limites à liberdade de circulação nos termos que foram permitidos no estado de exceção, por exemplo. Admitindo-se que pudesse vir a fazer o mesmo, aí estaríamos perante uma verdadeira fraude à Constituição. […] Em suma, e agora voltando ao caso concreto, a Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, ao impor o confinamento profilático obrigatório nos termos definido pela Resolução 77/2020 daquele mesmo Conselho, restringe de forma flagrante o direito à liberdade, estando ferida de inconstitucionalidade, uma vez que a CRP não reconhece legitimidade ao mesmo para a restrição de direitos fundamentais. Estamos, pois, perante um ato ferido de inconstitucionalidade formal orgânica. […] Mas ainda que se admitisse que a Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020 não padecia de inconstitu- cionalidade formal orgânica, cremos que, ainda assim, sempre soçobraria quando analisada sob o prisma da consti- tucionalidade material. Isto é, na sua conformidade com os princípios e direitos constitucionalmente consagrados, designadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade. Concretizemos tal ideia por confronto com a factualidade apurada. E da mesma resulta que único pressuposto para o confinamento obrigatório em unidade hoteleira, por 14 dias, é ser passageiro num voo que aterre na Região Autónoma dos Açores. Ser ou não residente na região; estar ou não infetado; ter ou não condições para se manter confinado noutro local, é absolutamente irrelevante. Ou pelo menos foi irrelevante até 7.05.2020, pois a partir das 00h00m do dia 8, os não residentes

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