TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
665 acórdão n.º 424/20 se determina a definição dos limites é porque pressupõe a possibilidade de a autoridade proceder, no caso concreto, a essa limitação. E de facto não temos dúvidas que em situação de contingência ou de calamidade [a alínea b) do n.º 2 do artigo 12.º, onde se definem os requisitos do ato e âmbito material da declaração de calamidade pública regional, e que na sua essência é em tudo igual à supra citada alínea f ) ] é possível limitar ou condicionar a circulação e permanência de pessoas, animais e veículos em determinados espaços. Mas tal só é possível, mesmo de acordo com a letra da lei, “por razões de segurança dos próprios ou das operações”. O que se compreende tendo em conta o escopo da proteção civil definido no artigo 1.º da Lei de Bases da Proteção Civil: ‘A proteção civil é a atividade desenvolvida pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais, pelos cidadãos e por todas as entidades públicas e privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram.’ Facilmente compreendemos que assim seja: se estamos numa zona de derrocadas, ou onde lavra um incêndio, ou onde foram libertados gases tóxicos inadvertidamente, é claro que as autoridades no local vão poder, em prol da defesa daqueles que ali residem ou que por ali passam, ou da própria segurança dos operacionais envolvidos na operação de proteção civil, determinar que as pessoas se afastem do local, não possam ali entrar e/ou permanecer, ou outras medidas de idêntico jaez, dentro de condicionalismo específicos e tendo sempre como princípio a segu- rança dos próprios (isto é, a segurança daqueles que são sujeitos aos limites ou condicionamentos de circulação ou permanência). Mas também cremos que face à factualidade apurada e os termos em que foi determinado o confinamento obrigatório de toda e qualquer pessoa que desembarque no aeroporto João Paulo II, não estamos perante uma mera limitação ou condicionamento à circulação ou permanência de pessoas que possa ser enquadrado no artigo 10.º ou mesmo no artigo 12.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2019/A. E não pode ser enquadrado porque, como concluímos supra , o confinamento profilático obrigatório, por 14 dias, imposto ao requerente, que não tem qualquer sintoma indiciador do Covid-19 e que aqui tem residência, é uma verdadeira limitação do seu direito de liberdade e certamente não foi imposto por razões de segurança do próprio (requerente). Estamos perante uma restrição efetiva de um direito fundamental, que não encontra respaldo nos invocados artigos 9.º a 12.º do supracitado diploma legal. Pode, então, o Governo Regional decidir sobre tal matéria? A questão passa, mais uma vez, pela análise dos pre- ceitos constitucionais. Nos termos do n.º 2 do artigo 18.º, da CRP, “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” acrescentando o seu n.º 3 que ‘As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroa- tivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais’. O artigo 19.º, por seu turno, determina que ‘os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergên- cia, declarados na forma prevista na Constituição.’ Conforme decorre do disposto no artigo 165.º, n.º 1, da CRP, no que ora interessa, que ‘é da exclusiva compe- tência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: b) Direitos, liberdades e garantias; (…)’. No que às regiões autónomas concerne, a sua autonomia político-administrativa regional não afeta a integri- dade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição, conforme dispõe o n.º 3 do artigo 225.º da CRP, tendo os poderes que lhe são reconhecidos no artigo 227.º. Da análise conjugada de tais normas extraímos que a competência para legislar sobre direitos, liberdade e garantias é da AR, ou do Governo da República, mediante autorização daquela. E apenas daqueles dois órgãos de soberania, reco- nhecidos como tal pelo artigo 110.º, da CRP. Tal competência já não é reconhecida ao Governo Regional, pois não lhe é conferido pela CRP, nem, consequentemente, pelo seu Estatuto Político Administrativo, competências de soberania, mas apenas autonomia político-administrativa.
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