TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
662 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da liberdade que tem um recluso que se encontra preso num estabelecimento prisional. Que tem mais conforto, melhores condições, sem dúvida; maior liberdade de circulação, aí parece que a vantagem pende para o recluso. O poder de circulação do requerente – ou de qualquer outro dos passageiros que se encontre em idêntica situação – está de tal modo limitado que o ir e vir que lhes é permitido se circunscreve entre a porta do quarto e a varanda desse mesmo quarto (existente no caso do requerente). Outros há que nem varanda têm, e, tendo viajado em família, terão de partilhar o quarto (casal e filhos) durante o mesmo período de 14 dias. Em suma, analisada a factualidade apurada é inexorável concluir que estamos perante uma verdadeira privação da liberdade pessoal e física do requerente, não consentida pelo mesmo, que o impede não só de se deslocar, como de estar com a sua família. Dizer que não há privação da liberdade porque a qualquer momento pode solicitar o seu regresso ao local de origem é uma falácia. O requerente não quer voltar para Lisboa, ponto de passagem para S. Miguel onde tem a sua residência pessoal e a sua família. O local de origem para onde pode voltar é, para si, um mero local de trânsito, sendo aqui, em S. Miguel, e não em Lisboa, que tem a sua casa de morada de família, o seu centro familiar. […] Aqui chegados parece-nos inequívoco que estando o requerente privado, de facto, da sua liberdade de circula- ção e constrangido no exercício pleno das demais dimensões do seu direito à liberdade pessoal, imposta por uma decisão de autoridade administrativa, pode socorrer-se do habeas corpus para fazer valer a sua pretensão (se essa pretensão procede ou não, é questão diversa). Com efeito, a tal título dispõe diretamente a Constituição, no seu artigo 31.º, que ‘Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.’ […] Ora, até às 23h59m do dia 2.05.2020 a quarentena obrigatória em unidade hoteleira a que os passageiros que desembarcavam neste arquipélago dos Açores se encontravam sujeitos, em tudo idêntica em termos de facto à qua- rentena a que o requerente se encontra agora sujeito, era implementada com respaldo no Decreto n.º 2-A/2020, de 21 de março, que procedeu à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, sendo admissível o recurso ao habeas corpus , mal seria que agora não o fosse. Se não por previsão do supracitado artigo 2.º, n.º 2, alínea a) , atendendo a que o estado de emergência já cessou, por recurso direto ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP. Concluímos, pois, que o requerente está privado da liberdade e que é legítimo o recurso do mesmo ao instituto do habeas corpus . […] Do fundamento legal para o confinamento obrigatório: Perante tais conclusões incumbe, então, apreciar se a privação da liberdade a que se encontra sujeito é legítima, e para tanto teremos de encontrar resposta à segunda questão equacionada: qual o fundamento legal para a impo- sição ao requerente do confinamento obrigatório por 14 dias em unidade hoteleira, imposto pela Autoridade de Saúde Regional. E esse fundamento é encontrado na Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, de 4 de maio […] “No seguimento da monitorização permanente feita à situação de pandemia e considerando o final do prazo estabelecido para a situação de contingência na Região e para as cercas sanitárias na Ilha de São Miguel, o Governo dos Açores solicitou à autoridade de saúde regional que se pronunciasse sobre a eficácia das medidas, entretanto, implementadas bem como das medidas a implementar no futuro num contexto de realidades de contaminação diferenciadas nas nove ilhas dos Açores; Assim, tendo em conta a pronúncia da autoridade de saúde regional e a ponderação da eficácia das medidas entretanto implementadas; Nos termos das alíneas a) , b) , d) e e) do n.º 1 do artigo 90.º do Estatuto Político- -Administrativo da Região Autónoma dos Açores e dos artigos 9.º, 10.º 11.º e 12.º do Decreto Legislativo Regional n.º 26/2019, de 22 de novembro, (…), resolve: (…)
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