TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

66 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL I.4. O Decreto procura obviar a tal resultado exigindo, por um lado, a prova do cumprimento da obri- gação declarativa prevista no Código do IRC e consubstanciada na declaração Modelo 22, acompanhada do Anexo C; e, por outro lado, assegurando que os operadores de TVDE e de plataformas eletrónicas licencia- dos para operar na RAM têm com esta Região uma conexão relevante à luz do artigo 26.º, n.º 1, da LFRA. Nesta última perspetiva, a exigência de indicação, como elemento instrutório, da «sede, com estabele- cimento efetivo e estável na Região» prevista quer no artigo 6.º, n.º 4, alínea c) , do Decreto, quer no artigo 10.º, n.º 4, alínea c) , do mesmo diploma, constitui uma decorrência ou corolário da condição legal de imputação da receita de IRC gerada pela atividade de transporte de TVDE na RAM à própria Região. Tal condição concretiza, quanto a esse imposto, o poder constitucional de as regiões autónomas disporem das receitas fiscais nelas geradas. Por isso, aquela exigência do Decreto visa assegurar, no âmbito regional e com referência a uma atividade económica desenvolvida exclusivamente nesse âmbito, a efetividade deste poder – que é constitucionalmente devido e que já foi conformado legislativamente em geral – para uma situação particular. Está em causa apenas tornar operativo um poder constitucional tal como este foi conformado pelo legislador estadual, nomeadamente por via da LFRA. Caso, a propósito da disciplina geral de determinada matéria, o legislador nacional não tenha adotado as providências que garantam em situações particulares o cumprimento da Constituição neste domínio financeiro, tal como resulta da sua concretização operada pela LFRA, designadamente em virtude da falta de previsão dos necessários e específicos elementos de conexão com as regiões autónomas – comprometendo desse modo o próprio poder constitucionalmente previsto quanto à disposição das receitas fiscais nelas gera- das –, deve reconhecer-se ao legislador regional a possibilidade de, no exercício da sua competência legislativa primária, completar o quadro legal nacional e proceder às adaptações estritamente necessárias, prevenindo desse modo o incumprimento da Constituição. Com efeito, enquanto dimensão essencial da autonomia político-administrativa, a autonomia financeira na vertente ora em análise – o poder de disposição das receitas fiscais geradas ou cobradas nas regiões autónomas – não pode ser desconsiderada na produção legislativa de âmbito regional nem ficar dependente de iniciativas legislativas casuísticas do legislador estadual. Ambos os legisladores, o nacional (ou estadual) e o regional, estão vinculados ao programa constitucional garantidor de tal autonomia e concretizado pela LFRA. Recorde-se, a este propósito, que no quadro de um Estado unitário, o legislador nacional legisla, em princípio, para o todo nacional, sem prejuízo da autonomia legislativa das regiões autónomas (cfr. os arti- gos 6.º, n.º 1, e 228.º ambos da Constituição). É, de resto, esse o caso da Lei n.º 45/2018 (cfr. o respetivo artigo 31.º, n.º 1). Deste modo, a mencionada possibilidade de exercício da competência legislativa regional constitui uma garantia da própria autonomia das regiões autónomas, sendo perfeitamente compatível com o princípio da subsidiariedade (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, da Constituição). No caso concreto em análise, trata-se de garantir a existência de uma “ponte” entre o regime do exercício da atividade de TVDE na RAM com a LFRA, que, devido ao caráter geral da disciplina constante da Lei n.º 45/2018, não foi expressamente acau- telada por esta última. Assim, a referida exigência feita aos operadores de TVDE e de plataformas eletrónicas que pretendam exercer a sua atividade na RAM de terem «sede, com estabelecimento efetivo e estável» na Região insere- -se numa construção escalonada e coordenada do poder público regulador das relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas destinada, em última análise, a garantir a respetiva autonomia financeira constitucionalmente consagrada. Ora, a coordenação das relações financeiras e a articulação dos poderes tributários constitucionalmente previstos, em especial no que se refere à definição das condições necessárias da autonomia financeira regional, ainda se integra na esfera da estruturação jurídico-normativa do poder público. Daí que, conforme afirmado na presente decisão, os «contribuintes, confrontados com um imposto legítimo, não podem questionar os pressupostos e as condições legais de atribuição das receitas fiscais às regiões autónomas». Estes são objeto de uma escolha anterior decorrente do programa constitucional em matéria de autonomia regional que condiciona os próprios termos com base nos quais, num segundo momento lógico, se vai definir o regime

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