TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
656 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7 da Resolução do Conselho do Governo n.º 77/2020 e nos pontos 3, alínea e) , e 11 da Resolução do Conselho do Governo n.º 123/2020, nos termos das quais se impõe o confinamento obrigatório, por 14 dias, dos passageiros que aterrem na Região Autónoma dos Açores. III - No caso dos autos, o requerente da providência de habeas corpus foi sujeito a confinamento obrigató- rio numa altura em que já não vigorava a declaração do estado de emergência, pelo que não concorrem para o enquadramento jurídico-constitucional do caso as normas relativas ao estado de emergência; por outro lado, a “situação de calamidade” não tem relevância constitucional para efeitos de suspensão de direitos, liberdades e garantias, relevando para esse efeito apenas a “calamidade” que funda a decla- ração do estado de emergência. IV - A previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição “[…] inclui seguramente a regu- lamentação de todos os direitos enunciados no Título II da Parte I da Constituição […]”, valendo a reserva de competência legislativa da Assembleia da República nesta matéria “não apenas para as restrições (…), mas também para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias”. V - Está em causa, no artigo 27.º da Constituição, «o direito à liberdade física, à possibilidade de movi- mentação sem constrangimentos. Tutela-se aqui, (…) um aspeto parcelar e específico das diversas dimensões em que se manifesta a liberdade humana, o direito à liberdade física, entendida “como liberdade de movimentos corpóreos, de ‘ir e vir’, a liberdade ambulatória ou de locomoção” (…) ou como “direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar”»; é este o entendimento que, de forma reitera- da, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional, incluindo “o direito de não ser aprisionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem”. VI - Tendo as normas sido executadas sem desvio aparente face à respetiva estatuição, resulta do contexto factual fixado na decisão recorrida, enquanto acontecimentos reveladores da intensidade da afetação visada ou consentida pelas normas, que aquelas medidas têm um impacto significativo na liberdade dos cidadãos, impondo-se concluir que a maior parte das restrições descritas — mas, acima de tudo, o seu conjunto — corresponde, inequivocamente, a uma “privação total da liberdade”; assim se con- clui, seja pela verificação de que a norma, “na sua máxima dimensão abstrata”, implica que o visado “fica circunscrito [a um] espaço confinado […], de todo impedido de circular e de livremente se movimentar”, seja ao constatar, por comparação, que a execução de uma medida como a descrita em muito pouco [e, descontada a envolvência (um quarto de hotel) porventura mais “amigável”, em nada de substancialmente significativo] se afasta do que resultaria da aplicação de uma (hipotética) pena curta de prisão, porventura até com aspetos mais gravosos (por exemplo, a falta de acesso a um espa- ço comum para exercício físico), seja até, por maioria de razão, face ao que se concluiu no Acórdão n.º 479/94, no qual se qualificou como inequívoca privação da liberdade a circunscrição a um espaço confinado até 6 horas (quando no caso dos autos está em causa um período até 56 vezes superior a esse); em suma, as normas sub judice preveem medidas de privação da liberdade, de sinal contrário à previsão do artigo 27.º, n.º 2, da Constituição e ao direito à liberdade consagrado no n.º 1 do mesmo artigo, na sua vertente de liberdade pessoal. VII - Todas as normas disciplinadoras de um direito liberdade ou garantia carecem de uma autorização prévia da Assembleia da República, exigência que “ganha particular relevância quando estão em causa
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