TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
652 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não se trata, aqui, de uma mera coincidência axiológica, mas sim de um dos sinais (e dos resultados) da profunda afinidade histórica, cultural e jurídica que une os Estados-membros e dá forma à ordem jurídica que partilham. Ora, ligados por nervuras comuns, os sentidos normativos convergentes para que tendem os sistemas jurídicos nacionais e da União favorecem, como não podia deixar de ser, a respetiva interação, propiciando uma forte base de confiança relacional. E isto vale para a perspetivação institucional, referida ao controlo jurisdicional do respeito por esses valores pelo TJUE, como dimensão específica abarcada no primeiro segmento normativo do n.º 4 do artigo 8.º da CRP. Quer isto dizer, projetando um sentido geral à construção dos pressupostos da ativação do segmento final do mesmo n.º 4 (que forneça critérios seguros de abordagem de situações futuras), que essa construção de uma questão de constitucionalidade referida ao DUE, apta a ser apreciada no quadro do inciso final da norma constitucional referida – no que justifica a afirmação da sua baixa probabilidade de ocorrência – assentará no seguinte critério geral, já antes caraterizado mas aqui destacado com a vocação de generalidade que este Tribunal pretendeu imprimir à apreciação do presente recurso: Nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o Tribunal Constitucional só pode apreciar e recusar aplicação a uma norma de DUE, caso a mesma seja incompatível com um princípio fundamental do Estado de direito democrático que, no âmbito próprio do DUE – incluindo, portanto, a jurisprudência do TJUE –, não goze de valor paramé- trico materialmente equivalente ao que lhe é reconhecido na Constituição, já que um tal princípio se impõe neces- sariamente à própria convenção do “[…] exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União, dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia”. Ao invés, sempre que esteja em causa a apreciação de uma norma de DUE à luz de um princípio (fundamental) do Estado de direito democrático que, no âmbito do DUE, goze de um valor paramétrico materialmente equivalente ao que lhe é reconhecido na Consti- tuição portuguesa, funcionalmente assegurado pelo TJUE (segundo os meios contenciosos previstos no DUE), o Tribunal Constitucional abstém-se de apreciar a compatibilidade daquela norma com a Constituição. Uma outra perspetiva menos exigente banalizaria a intervenção do Tribunal Constitucional, num qua- dro onde a mesma foi constitucionalmente configurada muito restritivamente, e – consequência não menos constitucionalmente indesejada –, em aberto desafio à aceitação da projeção do DUE na ordem interna nos termos pelo próprio definidos, criaria um mecanismo interno, de fácil ativação, onde a constante discussão deste, à margem e em aberto desafio aos seus próprios termos, originaria um sistema nacional espúrio, sem qualquer respaldo no quadro constitucional de interação entre as ordens jurídicas nacional e europeia. Com efeito, não foi substanciada pela recorrente, por via da concreta questão de inconstitucionalidade construída em torno da invocada violação do princípio da igualdade, reportada a uma interpretação do TJUE relativamente ao DUE, uma questão que evidencie um mínimo de correspondência ao segmento final do artigo 8.º, n. 4 da CRP: “[…] princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. É, enfim, o que nos resta afirmar, decidindo não tomar conhecimento do recurso pretendido interpor. III – Decisão 3. Em face do exposto, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do recurso inter- posto por A1, Lda. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 30 unidades de conta, tendo em atenção os cri- térios definidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
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