TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

650 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL direito da União. Assim sendo, devem respeitar os direitos, observar os princípios e promover a sua aplicação, de acordo com as respetivas competências e observando os limites das competências conferidas à União pelos Tratados.”). Em tal quadro, a incidência interpretativa da Carta na aplicação do DUE, deve ter na devida conta (como impõem o artigo 6.º, n.º 1, terceiro parágrafo, do TUE e o artigo 52.º, n.º 7, da CDFUE) as anotações a esta – as Anotações Relativas À Carta dos Direitos Fundamentais (publicadas no Jornal Oficial , n.º C 303, de 14 de dezembro de 2007). Ora, no que concerne ao DUE, tanto as anotações ao artigo 20.º, como ao artigo 21.º, da CDFUE, propiciam um respaldo seguro e indiscutível a uma afirmação de conformidade do DUE interpretado pelo TJUE ao princípio da igualdade, designadamente por via do acórdão Karlssom , de 13 de abril de 2000 (processo C-292/97), expressamente indicado como precedente a projetar interpretativamente na anotação ao artigo 20.º da Carta, em concreto na seguinte passagem: “[o] artigo 40.º, n.º 3, segundo parágrafo, do Tratado [atual artigo 40.º, n.º 2, segundo parágrafo, do TFUE], que consagra a proibição de qualquer dis- criminação no âmbito da Política Agrícola Comum, mais não é do que a expressão específica do princípio geral da igualdade, que exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento diferente for objetivamente justificado (acórdãos de 20 de setembro de 1988, Espanha/Conselho , 203/86, Colect., p. 4563, n.° 25, e de 17 de abril de 1997, EARL de Kerlast , C-15/95, Colect., p. I-1961, n.° 35)” (parágrafo 39). Verifica-se, pois, quanto ao DUE, a falta de relevância da afirmada existência de uma discriminação arbitrária: a diferenciação afirmada pela recorrente, não envolvendo qualquer elemento atinente às chamadas categorias suspeitas (como prototipicamente sucede com as referências elencadas no n.º 2 do artigo 13.º da CRP e no n.º 1 do artigo 21.º da CDFUE), e ao assentar em relevantes especificidades diferenciadoras, presentes em cada uma das situações pretendidas comparar, nunca corresponderia a um tratamento dife- rente – admitindo que há realmente tratamento diferente dos dois grupos de exportadores apoiados – que pudéssemos qualificar, por ausência de uma base de justificação objetiva, como arbitrário. Isso, aliás, há que pressupor ter sido intuído – desde logo pela natureza evidente da situação – na fixação do sentido do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) , do Regulamento (CEE) n.º 2220/85, pelo TJUE, no acórdão A. Lda. c. Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP, de 11/12/2014, ora visado pela recorrente. É neste quadro que a clarificação do ato propiciada pelo TJUE através do acórdão A. , aqui projetado como ratio decidendi pela decisão recorrida, a par da essência de ato claro com que a situação ostensivamente se nos apresenta, exclui que este Tribunal equacione qualquer reenvio ao TJUE para esclarecimento do sen- tido ou para pronúncia sobre a validade do artigo 19.º, n.º 1, alínea a) , do Regulamento (CEE) n.º 2220/85, na interpretação que (já) lhe foi fixada pelo referido órgão jurisdicional, quanto ao princípio da igualdade: seria descabido, que este Tribunal questionasse o TJUE sobre a incidência desse princípio na interpretação subjacente ao acórdão A. , quando isso é evidente e significaria solicitar a “interpretação” da interpretação já efetuada. Verificam-se, pois, as situações de dispensa à obrigação de reenvio decorrentes da jurisprudência CILFIT – acte éclairé e acte clair . E, enfim, a circunstância da qualificação nesses termos da situação valer como afirmação da competência do TJUE coloca-nos fora do plano em que usualmente se situam as críticas, no seio da Doutrina juscomunitária, a um certo “abuso” na referenciação da existência de um ato claro, como forma de evitar o resultado não desejado (mas pressentido) de um reenvio: “[a]s condições estritas às quais a implementação da doutrina do « acte clair » está sujeita, visam prevenir os tribunais nacionais do ‘abuso’ dessa doutrina, como meio de iludir a respetiva obrigação de obterem uma decisão preliminar do TJUE nas situa- ções em que não estão inclinados a aderir à « case-law » do Tribunal” (Koen Lenaerts, Ignace Maselis, Kathleen Gutman, EU Procedural Law, cit., p. 100). Trata-se aqui, precisamente, no que afasta a cobertura teleológica deste argumento, de seguir o constante Direito do caso do TJUE, afirmando a competência, em toda a linha, da jurisdição europeia, designadamente no domínio da interpretação do DUE (artigo 267.º do TFUE). Essa conformidade constitui, com efeito, um dado assente – que se nos apresenta como evidente na clarificação já operada do sentido do ato em causa –, sendo certo que, na perspetiva dinâmica do DUE (da

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