TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

647 acórdão n.º 422/20 Assim se expressa a construção, invariavelmente presente na teoria da jurisdição, segundo a qual qual- quer tribunal aprecia autonomamente a sua própria competência, definindo-a positiva ou negativamente. Se esta definição tem lugar, como aqui é o caso, fora de um quadro onde caiba qualquer tipo de controlo heterónomo (internamente, porque nos situamos no topo da hierarquia; e, além deste plano, não existe estruturação competencial alguma que permita um controlo do exercício da competência da competência por parte do Tribunal Constitucional português), estamos perante uma definição necessariamente final da competência, pese embora isto não precluda um eventual controlo heterónomo dos efeitos do exercício de tal competência (mas não da competência da competência), na estrita medida em que tal possa espoletar o funcionamento do sistema regional de controlo jurisdicional instituído pela Convenção Europeia dos Direi- tos Humanos, a que o Estado português se encontra vinculado internacionalmente. Não obstante, e é o aspeto que aqui interessa destacar, “[…] no limite, alguém exercerá, a título final ou pretendidamente final, a competência da sua competência – que mais não seja, a competência de declarar se é ou não competente para decidir da competência de outros tribunais” (Miguel Galvão Teles, A Competência da Competência do Tribunal Constitucional , cit. p. 111). E, enfim, o facto de o Tribunal reclamar a última palavra sobre a extensão dos seus poderes de controlo implica logicamente a afirmação dessa sua competên- cia (competência da competência) para decidir definitivamente todas as questões a respeito da sua própria competência. Não obstante as particularidades do caso português, onde avulta a existência de uma clara opção do legislador constitucional de aceitação do primado em quase toda a extensão e consequências afirmadas pelo TJUE, vale, quanto ao sentido que subjaz à existência de uma fronteira entre os dois planos de incidência do controlo constitucional nacional que coexistem no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, a asserção seguinte: “[…] no que se refere ao respeito pelos limites constitucionais estabelecidos pela Constituição portuguesa à apli- cabilidade do direito da União Europeia na nossa ordem interna, a última palavra não pode deixar de estar reservada ao Tribunal Constitucional, ou seja, ao ‘tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional’ (artigo 221.º da Constituição).” (Rui Medeiros, A Constituição Portuguesa Num Contexto Global, cit., p. 389). 2.6.4. A existência de uma fronteira – mais até de uma zona fronteiriça – por via da compaginação do sentido dos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 4, da CRP, marcando espaços em que permanece plenamente ativada a competência da jurisdição constitucional, relativamente à conformidade do DUE “[à] Constituição ou [aos] princípios nela consignados” (artigo 277.º, n.º 1, da CRP), confere um sentido estratégico ao exercício da competência da competência pelo Tribunal Constitucional, expressando esse elemento o ponto fulcral da mensagem normativa contida no n.º 4 do artigo 8.º. A tal respeito, mais do que uma definição por enumeração de matérias integrantes dessas cláusulas de salvaguarda constitucional, importa fixar um critério, com vocação de generalidade, apto a orientar o intér- prete no posicionamento das diversas situações apresentadas ao Tribunal nesse espaço de fronteira que separa a inibição do pleno acesso da jurisdição constitucional ao DUE. Na dilucidação desse critério importa valorizar, enquanto chave de compreensão da formulação genérica contida na norma constitucional, a expressão de uma intencionalidade, fundamentalmente dinâmica, de perspetivar, como reserva estratégica, a subsistência de um espaço autónomo de controlo nacional, ressalvado no trecho final do n.º 4 do artigo 8.º, por referência à ideia de desvirtuamento da essência significativa do forte compromisso da Constituição da República Portuguesa com o projeto europeu, ao assumir um expres- sivo investimento de confiança neste. Tal projeto (o que ele significa e traduz) já envolve, na sua própria natureza, uma garantia de efetividade dos valores ( rectius , dos princípios) fundamentais do Estado de direito democrático, quando posicionado face ao conteúdo do artigo 2.º, da CRP, no qual facilmente encontramos a base afirmativa do inciso final do artigo 8.º, n.º 4. Vale, pois, a asserção de que esse projeto já reflete, realiza e propicia, com elevado grau de segurança, valores paramétricos equivalentes aos reconhecidos no nosso texto

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