TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

646 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o Tribunal Constitucional nem os demais tribunais podem julgar sobre a conformidade das suas normas com a Constituição ou outro instrumento de direito interno. Sob esse ponto de vista, a primazia do direito da UE traduz-se na sua imunidade face ao sistema constitucional de fiscalização da constitucionalidade e da «legalidade reforçada». A norma do art. 8.º-4 implica, portanto, uma derrogação das normas constitucionais de garantia da Constituição em relação ao direito comunitário, não valendo para este a norma do art. 277.º-1 da CRP, segundo a qual «são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados». […]” (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP. Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, cit., p. 270). É este o plano que confere sentido atuante à “[…] prevalência ten- dencial do Direito da União Europeia sobre as normas de direito interno, inclusivamente sobre as normas de direito constitucional, [que] representa justamente uma peça chave do compromisso europeu assumido pelo texto atual da Constituição […]” (Rui Medeiros, A Constituição Portuguesa Num Contexto Global , cit., p. 378);  (B) No outro plano, também perspetivado na compaginação dispositiva do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, por via do trecho final de sentido contralimitador – “[…] com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” –, vale, relativamente ao DUE, como que o “restabelecimento” daquilo que, em rigor, sempre esteve latente: o alcance jurisdicional nacional (a competência material) decorrente do artigo 277.º, n.º 1, da CRP. Com efeito, se “[do artigo 8.º, n.º 4] só pode retirar-se […] [o] sentido de uma limita- ção da jurisdição do Tribunal Constitucional […]”, isso deixa de suceder, por via do inciso final do preceito, ao reabrir este a essa jurisdição o “[…] confronto de normas de direito comunitário com a lei fundamental do país” (José Manuel M. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 33/34, nota 34). Cessa, pois, neste segundo plano, quantitativamente escasso (estamos a referen- ciar a ideia de quantidade ao universo do DUE), desde logo quanto ao nível de proteção dos direitos funda- mentais (cujo conteúdo e garantia já se encontram amplamente cobertos pelo DUE, gozando em tal quadro de um nível de proteção funcionalmente equivalente ao propiciado pela jurisdição nacional, concretamente pelo Tribunal Constitucional), esse elemento caraterístico, invariavelmente afirmado pela jurisprudência do TJUE [desde o acórdão Foto-Frost , de 22 de outubro de 1987 (proc. 314/85)] traduzido na circunstância da primazia do DUE implicar a exclusividade do controlo da validade deste pelo TJUE [“[a]tribuindo o artigo 173.º [o sentido da referência vale, atualmente, para o artigo 263.º do TFUE] a competência exclusiva ao Tribunal para anular um ato de uma instituição comunitária, a coerência do sistema exige que o poder de declarar a invalidade do mesmo ato, se ela for suscitada perante um órgão jurisdicional nacional, seja igual- mente reservada ao Tribunal” (parágrafo 17 do acórdão Foto-Frost )]. No quadro de uma compreensão articulada do artigo 8.º, n.º 4, com o n.º 6 do artigo 7.º da CRP, estarão em causa elementos característicos da identidade constitucional da República – com efeito, logo no seu artigo 2.º, a Constituição identifica a República Portuguesa como Estado de direito democrático – que condicionam a própria possibilidade de “[…] convencionar o exercício em comum, em cooperação ou pelas instituições da União dos poderes necessários à construção e aprofundamento da União Europeia”. 2.6.3. Ora, modelada a intervenção do Tribunal Constitucional quanto ao relacionamento com o DUE nos termos acabados de caraterizar, significando isso a persistência, nesse plano, de um acervo competencial próprio da jurisdição constitucional nacional, já não meramente latente mas efetivo, não pode tal alcance jurisdicional deixar de incluir ( rectius , de expressar) a atuação do elemento central de relacionamento de uma jurisdição com a sua própria competência (com o seu espaço legítimo de atuação): determinar autonomamente o que cai dentro e fora dela, interpretando o texto que enuncia esse elemento, assumindo, pois, aquilo que se designa na teoria da jurisdição como competência da competência – a competência da competência dos tribunais, correspondente à segunda aceção da expressão já antes referida (cfr. a distinção dos dois sentidos da expressão em Miguel Galvão Teles, A Competência da Competência do Tribunal Constitucional , cit., p. 107) .

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