TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

644 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É assim que ocorre, entre nós, por referência aos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 4, da CRP, em trechos intro- duzidos nesse processo de adaptação do texto constitucional à reforma dos Tratados então em curso, o desta- car dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático como sinalização da condição ao processo de construção e aprofundamento da União Europeia e, consequentemente, à projeção interna do DUE, nos seus próprios termos.  Expressa, pois, o inciso final limitador do artigo 8.º, n.º 4, o fim ou o começo de algo que se projeta, no que aqui apresenta relevância (e estamos a caraterizar um espaço jurisdicional de alcance exclusivo do Tribunal Constitucional português), como um domínio que não foi alheado – que quiçá seja inalienável, no quadro de uma União Europeia cujo modelo presente assenta numa associação de Estados que permanecem soberanos –, um espaço no qual, desde logo por ausência de uma decisão constituinte com tal sentido, não ocorreu transferência de poderes (desses poderes) soberanos para a União. Vale, pois, neste particular contexto, podendo ser referenciada à problemática que entre nós se equa- ciona, a afirmação contida no parágrafo 229 da Sentença de 30 de junho de 2009 do Segundo Senado do Tribunal Constitucional alemão, respeitante ao Tratado de Lisboa: “[…] a República Federal da Alemanha participa no desenvolvimento de uma União Europeia concebida como união de Estados ( Staatenverbund ) para a qual se transferem direitos de soberania. O conceito de união ( Verbund ) implica uma associação estreita e duradoura de Estados que conservam a sua soberania, que exerce o poder público com base num Tratado internacional, mas cujo ordenamento fundamental está exclusivamente à disposição dos membros e na qual os povos – isto é, os cidadãos nacionais – dos Estados-membros continuam a ser os sujeitos de legitimação democrática […]”. Embora a União Europeia tenha uma ordem jurídica própria, o que se manifesta no facto de as suas normas não integrarem a cadeia formal de validade que se reconduz à norma constitucional interna, o fun- damento material dessa ordem jurídica é a decisão dos Estados-membros de convencionarem o exercício, em comum, em cooperação ou pelas instituições da União de competências de que são titulares soberanos. Ao conservarem os Estados-membros a sua soberania, num quadro em que os poderes da União decorrem da atribuição de competências específicas por estes desencadeada condicionadamente (artigo 5.º, n. os 1 e 2, do TUE), vale aqui, também – e continuamos a recorrer ao texto da Sentença de Lisboa do Bundesverfas- sungsgericht – a asserção segundo a qual “[…] os órgãos do Estado [não estão constitucionalmente habili- tados] a transferirem direitos de soberania de tal modo que o exercício desta permita fundamentar outras competências para a União Europeia de forma independente. A Lei Fundamental proíbe a transferência da « Kompetenz-Kompetenz » […].” [parágrafo 233 da Sentença; cfr. Marcus Klamert (anotação 10 ao artigo 5.º do TUE), in The EU Treaties and the Charter of Fundamental Rights. A Comentary , cit., pp. 65/66: “[…] a União apenas dispõe dos poderes em que foi investida pelos Estados-membros para alcançar um conjunto de objetivos. Inversamente, os poderes não objeto de atribuição por estes permanecem no respetivo domínio. Isto significa que a União não dispõe de Kompetenz-Kompetenz : i. e. o poder de se atribuir, por iniciativa própria, novos poderes”]. É nestes termos, enfim, que se referencia o conceito de “Competência das Competências”, na particular aceção que o liga à ideia de soberania, confrontando-o com a ideia de “Competência de atribuição” [adiante explicitaremos o outro sentido em que a expressão “Competência da Competência” do Tribunal Constitu- cional – na aceção de competência da competência dos tribunais – será retomada na economia decisória do presente recurso; sublinhamos, desde já, que essa distinção é claramente traçada por Miguel Galvão Teles (“A Competência da Competência do Tribunal Constitucional”, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Consti- tucional , Coimbra, 1995, pp. 105/107 e respetivas notas 2, 3 e 4), nos seguintes termos: “[a] expressão «com- petência da competência» ( Kompetenz-Kompetenz ) e a correspondente noção surgiram na literatura jurídica alemã na segunda metade do sec. XIX a propósito da questão […] das relações entre Estado Federal e Estados Federados. Erigido por Albert Haenel em elemento definidor do conceito de soberania [o autor indica, como sinal supremo de soberania, a autodeterminação jurídica das suas competências por parte do Reich e a deter- minação das competências dos Estados (nota 2)] […], o conceito não teve a sorte que mereceria e, de certo

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