TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
639 acórdão n.º 422/20 Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra, 2003, pp. 305/309 (trata-se de texto datado de novembro de 2002). Já depois de 2004, cfr. Miguel Galvão Teles (“[e]m Portugal, pode dar-se por assente a superioridade hierárquica do direito comunitário sobre a lei ordinária”), in Constituições dos Estados e Eficácia Interna do DUE e das Comunidades Europeias – em Particular sobre o Artigo 8.º, n.º 4, da Constituição Portuguesa , cit., p. 304. Também posteriormente a 2004, relativamente à lei ordinária, o Tribu- nal Constitucional assumiu a asserção do primado do DUE no Acórdão n.º 60/06 (aí o fez, expressamente, no ponto 2.3. da fundamentação, afirmando que “[…] a norma impugnada [tratava-se do n.º 6 do artigo 169.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário] encontra a sua fundamentação na necessidade de, estando em causa execução fiscal de dívidas de recursos próprios comunitários, designadamente […] direitos aduaneiros, acatar a regra, constitucionalmente aceite, da prevalência da regulamentação comuni- tária sobre o direito ordinário interno”; o mesmo entendimento subjaz ao Acórdão n.º 80/14, no respetivo trecho final antecedente da decisão, embora, estando em causa nessa situação a lei nacional transpondo uma Diretiva, o DUE aí opere em termos muito particulares: não essencialmente por aplicação direta, mas como parâmetro conformador da margem de liberdade do legislador nacional (cfr. Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, 3.ª edição, Coimbra, 2013, pp. 469/474). Isto, todavia, não deixa de corresponder, e é esse o sentido da referência constante desse Acórdão n.º 80/14, a uma projeção limitadora do Direito nacional decorrente da primeira parte do n.º 4 do artigo 8.º da CRP (a este respeito, quanto às normas de transposição de diretivas, cfr. J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP. Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, pp. 270/271)]. 2.6. A construção pela recorrente da questão pretendida colocar à apreciação do Tribunal Constitu- cional (cfr. item 2.2., supra ) – e trata-se de questão formalmente conforme aos pressupostos de um recurso fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – torna patente o seu verdadeiro e inevitável sentido substancial, sendo a este que teremos de nos ater ao equacionar o conhecimento do recurso. Está em causa, com efeito, relativamente a uma norma de DUE (de Direito derivado integrante de um Regulamento comunitário, cfr o artigo 288.º, segundo parágrafo, do TFUE), uma invocação, anterior à decisão recorrida, de desconformidade à Constituição da República Portuguesa, da qual se convoca como parâmetro de desvalor o princípio da igualdade plasmado no respetivo artigo 13.º, referindo-se essa invoca- ção à interpretação que à norma de DUE em causa foi expressamente fixada pelo TJUE, ao qual incumbe, nos termos dos Tratados, a função interpretativa e integradora do DUE originário e derivado [cfr. artigos 13.º e 19.º [deste último em especial o n.º 3, alínea b) ] do TUE]. No caso presente, foi essa função exercida no quadro de um reenvio prejudicial, ou seja, através do meio que os Tratados preveem como instrumento privilegiado de diálogo entre jurisdições, tendo em vista a “[…] afirmação da primazia do direito da UE […], permitindo a articulação e integração entre o direito nacional e o direito da UE […]”, “[contribuindo] para a realização da unidade do sistema jurídico europeu, introduzindo um elemento de centralização, ou concen- tração, num contexto de aplicação descentralizada, e reduzindo o risco de fragmentação jurídica propiciado pela coexistência de diferentes tradições jurídicas […]”, exprimindo e reforçando, enfim, “[…] a autonomia dogmática e conceitual do [DUE], no confronto com os direitos nacionais dos Estados-membros recorrendo a uma interpretação teleológica e racional dos respetivos conceitos.” (Jónatas E. M. Machado, Direito da União Europeia, cit., pp. 716/717). Somos assim confrontados, através da questão de inconstitucionalidade apresentada, com um problema da mais elevada importância no quadro do relacionamento entre a jurisdição constitucional nacional e a jurisdição da União Europeia. Referimo-nos à definição, pela primeira vez, por este Tribunal – o Tribunal Constitucional nacional – dos termos em que lhe é acessível o DUE, no quadro do exercício da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (cfr. o artigo 277.º da CRP). Essa particular feição do problema que nos confronta induz, pois, como questão prévia e fundamen- tal – já referida no item 2., supra –, esclarecer se o Tribunal Constitucional pode sindicar a conformidade
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