TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
633 acórdão n.º 422/20 Grundgesetz das disposições de DUE aí em causa, exautorando-se, assim, o entendimento do Tribunal Admi- nistrativo de Frankfurt, mantendo a incidência no caso concreto das disposições comunitárias condicionan- tes da exportação (em rigor, o Tribunal Constitucional Federal confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça quanto à justificação, face ao princípio da proporcionalidade, dos condicionamentos comunitários à atividade de exportação). Porém, quanto à questão do primado, considerou o Bundesverfassungsgericht – empregando uma formulação que se tornaria clássica na abordagem da relação da ordem jurídica comuni- tária com a ordem constitucional alemã – que, enquanto ( Solange ) a Comunidade Europeia não propiciasse um nível de proteção dos direitos fundamentais equivalente ao da Lei Fundamental, o Tribunal Constitucio- nal não poderia aceitar uma projeção do princípio do primado nos termos absolutos afirmados pelo Tribunal de Justiça, já que daí resultaria uma alienação, sem credencial constitucional, de um elemento identitário essencial da Lei Fundamental de Bona, a proteção dos direitos fundamentais com o exato nível propiciado pelo controlo exercido na jurisdição constitucional alemã. E isso não sucedia – estávamos em 1974 – com a ordem jurídica comunitária. Doze anos mais tarde, em 1986, esta posição viria a evoluir consideravelmente no acórdão Solange II ( BVerfG , Beschluss vom 22.10.1986, Az.: 2 BvR 197/83), reconhecendo o tribunal existir, na evolução entretanto operada no DUE e no quadro jurisdicional próprio da União, facilmente identificável através de inúmeras decisões do Tribunal de Justiça, um nível de proteção dos direitos fundamentais muito semelhante ao decorrente da Lei Fundamental, e concretamente ao conferido pelo Tribunal Constitucional alemão. Assim – e foi esse o sentido da decisão Solange II –, enquanto se mantivesse esse estado de coisas – ou seja, esse nível substantivo e adjetivo de proteção – o Bundesverfassungsgericht pura e simplesmente não interviria no controlo do DUE. Importa sublinhar, já que expressa a essência evolutiva da interação do Tribunal Constitucional alemão com o Tribunal de Justiça, da primeira à segunda decisão Solange (sendo que o sentido da última marcou fortemente o acervo decisório posterior daquele tribunal a respeito do DUE), que a conjunção temporal enquanto, expressando em ambas as decisões uma limitação à projeção (ilimitada) do primado, com o sen- tido afirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Internationale Handelsgesellschaft , como que inverteu, da primeira para a segunda decisão, o seu significado: (1) afirmava-se (em Solange I ) que a jurisdição constitu- cional interna interviria – como nesse caso interveio, admitindo o recurso e controlando a conformidade constitucional (interna) do DUE – enquanto a Comunidade Europeia não garantisse – como entendeu não garantir – o mesmo nível de proteção existente na ordem interna; (2) passou a afirmar-se (em Solange II ) que o Tribunal Constitucional nacional não interviria – e foi o que efetivamente sucedeu ao considerar-se o recurso em causa inadmissível – enquanto o nível de proteção comunitário fosse equivalente ao interno, como passou a suceder subsequentemente a Solange I . Esta evolução, no seio da jurisprudência constitucional alemã, da semântica condicionante do enten- dimento do Tribunal de Justiça quanto ao primado, captando mudanças efetivamente ocorridas no quadro comunitário de proteção dos direitos fundamentais, envolveu uma dose substancial de subtileza argumen- tativa no tratamento do problema de base – o caráter absoluto do primado invariavelmente afirmado pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, correspondeu tal evolução a uma abordagem de evitação de uma situação de conflito potencial, através do esvaziamento prático do elemento confrontacional envolvido (a existência de visões distintas quanto à incidência do primado nas normas constitucionais nacionais), reduzido no seu alcance a manifestações extremas cuja ocorrência, observando, desde logo, a caraterização da proteção comunitária dos direitos fundamentais efetuada pelo próprio Bundesverfassungsgericht em Solange II , seria muito pouco provável. É assim que Stephen Weatherill, caraterizando a posição do Tribunal Constitucional alemão, sublinha a permanência da condicionante (enquanto), acrescentando, porém, ser muito reduzida a possibilidade de atuação desta ( Law and Values in the European Union, Oxford University Press, Oxford, 2016, p. 235). Vale isto por dizer que a não aceitação, pelo Tribunal Constitucional alemão, na decisão Solange I , desse controlo baseado nos direitos fundamentais empreendido pelo Tribunal de Justiça em Internationale
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