TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

631 acórdão n.º 422/20 com efeito, submetera “[…] duas questões relativas à validade do regime dos certificados de exportação e da caução com ele conexa […] previsto no Regulamento n.º 120/67/CEE […]” (transcrevemos a enunciação constante do ponto 1. do acórdão), considerando antecipadamente (o Tribunal de reenvio) que esse “[…] regime de cauções seria contrário a certos princípios estruturais do direito constitucional nacional que deve- riam ser salvaguardados no âmbito do direito comunitário, pelo que a primazia do direito supranacional deveria ceder perante os princípios da lei fundamental alemã. Mais especificamente, o regime de cauções vio- laria os princípios da liberdade de ação e de disposição, da liberdade económica e da proporcionalidade que resultam, designadamente, dos artigos 2.º, n.º 1, e 14.º da Lei Fundamental”, acrescentando nesse pedido de pronúncia, que se vinha recusando, na ordem interna, “[…] a admitir a validade das disposições em causa […]” (lê-se no ponto 2. do acórdão do Tribunal de Justiça, descrevendo a posição do tribunal de reenvio). Desde logo, é significativo sublinhar a importância da decisão Internationale Handelsgesellschaft , ao trans- por para fora do espaço jurídico alemão – e foi a primeira decisão judicial a fazê-lo (cfr. Moshe Cohen-Eliya, Iddo Porat, Proportionality and Constitutional Culture, Cambridge University Press, Cambridge, 2013, p. 11 e nota 6) – o que aí, nessa jurisdição, desde o final da década de 50 do século passado, através da jurispru- dência do Tribunal Constitucional Federal, adquirira um estatuto central no Direito Constitucional [a esse propósito referem estes Autores: “[a] proporcionalidade emergiu como doutrina no Direito Administrativo prussiano do século XIX, através da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo da Prússia. Apenas após a II Guerra a doutrina começou a espalhar-se no espaço jurídico germânico, aí adquirindo, rapida- mente, uma crescente força. A primeira fase deste processo de alastramento consistiu na migração gradual da proporcionalidade do Direito Administrativo para o Direito Constitucional alemão, no final dos anos 50 princípio dos anos 60, através de diversas decisões marcantes proferidas pelo Tribunal Constitucional Federal [em nota os Autores remetem para os casos Lüth ( BVerfGE 7, 198) e das Farmácias ( BVerfGE , 7, 377), ambos de 1958]. Pouco depois a proporcionalidade adquiriu o estatuto de doutrina central do Direito Constitu- cional alemão, aplicada em praticamente todos os casos marcantes. […] A proeminência da jurisprudência constitucional alemã no Direito da União Europeia, constituiu um fator central na adoção e expansão da doutrina da proporcionalidade para além da Alemanha, primeiramente pelo Tribunal de Justiça em 1970 [em nota remetem os Autores para o acórdão Internationale Handelsgesellschaft ] e, depois, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 1976 [em nota remetem os Autores para a decisão Handyside v. The United Kingdom ]” ( ibidem, pp. 10/11 e notas 4, 6 e 7)].   A análise do modelo decisório construído pelo Tribunal de Justiça no acórdão Internationale Handels- gesellschaft fornece-nos importantes elementos de compreensão do subsequente processo de diálogo travado entre a jurisdição europeia e as jurisdições constitucionais nacionais, com destaque para a jurisdição consti- tucional alemã, à qual especificamente se dirigiu no caso concreto, mas argumentando em termos que pro- jetaram uma clara intencionalidade de âmbito geral. Todavia, na compreensão da essência significativa desta decisão, concretamente na sua vocação expansiva, importa ter presente que o Tribunal de Justiça interagiu, nesse contexto, com um tribunal alemão num quadro em que este referira àquele uma questão de validade do Direito Comunitário derivado, utilizando como parâmetro dessa validade o Direito Constitucional alemão – expressivamente identificado como relativo a “[…] princípios estruturais do direito constitucional nacional […]” – afirmando a primazia deste face ao direito supranacional. A construção decisória em que assentou o acórdão Internationale Handelsgesellschaft , quanto à inclu- são de um juízo de proporcionalidade na aferição da validade da disposição comunitária questionada pelo Tribunal Administrativo de Frankfurt, foi expressamente sugerida ao Tribunal de Justiça nas conclusões do Advogado-Geral (cfr., referindo expressamente a esta posição o caminho decisório adotado pelo Tribunal de Justiça, Aharon Barak, Proportionality. Constitutional Rights and Their Limitations, C ambridge University Press, Cambridge, 2012, pp. 184/185 e Vitalino Canas, O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos , Coimbra, 2017, p. 106). Nessas conclusões, após a enunciação do pro- blema que nesse contexto processual era colocado ao Tribunal de Justiça [afirmando que“[essas] questões [,…] no que diz respeito à legalidade interna das medidas impugnadas[,] prendem-se todas com um único

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