TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

630 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “[…] 4. Convém, no entanto, analisar se não terá sido violada qualquer garantia análoga, inerente ao direito comu- nitário. Com efeito, o respeito dos direitos fundamentais faz parte integrante dos princípios gerais de direito cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça. A salvaguarda desses direitos, ainda que inspirada nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, deve ser assegurada no âmbito da estrutura e dos objetivos da Comunidade. Convém, pois, analisar, à luz das dúvidas manifestadas pelo tribunal administrativo, se o regime de cauções terá violado os direitos fundamentais cujo respeito deve ser assegurado no ordenamento jurídico comu- nitário. […]”. Na sequência desta afirmação, desenvolveu o Tribunal de Justiça, nos passos subsequentes do acórdão Internationale Handelsgesellschaft , uma argumentação direcionada à demonstração, com base num juízo de proporcionalidade, da compatibilidade das disposições do Regulamento, cuja validade fora questionada pelo órgão jurisdicional de reenvio, aos direitos fundamentais invocados por esse mesmo órgão. Nesse quadro de análise concluiu o Tribunal o seguinte: “[…] 12. [A] exigência de certificados de importação e de exportação, que comportam para os beneficiários o com- promisso de efetuar as operações previstas mediante a garantia de uma caução, constitui uma medida necessária e apropriada com vista a permitir às autoridades competentes determinar da forma mais eficaz as suas intervenções no mercado dos cereais. […]”. Sublinhamos a circunstância de a (re)afirmação do princípio do primado, na específica dimensão intro- duzida pelo Tribunal no ponto 3. do acórdão Internationale Handelsgesellschaft – o primado vale, nos exatos termos afirmados em Costa c. ENEL , no confronto com normas constitucionais internas relativas a direitos fundamentais –, ter sido integrada no especial contexto decorrente da afirmação seguinte – no transcrito ponto 4. –, e concretizada no subsequente processo argumentativo do acórdão, culminando na conclusão contida no ponto 12. Expressou esse contexto o assumir pelo Tribunal de Justiça – estávamos em 1970 – do controlo da conformidade do DUE aos direitos fundamentais, correspondendo a pretensão de tutela des- tes nos (e só através dos) quadros constitucionais nacionais à essência da resistência (ou da negação), nesse plano, da ideia de primado. Esta incidência do acórdão Internationale Handelsgesellschaft é sublinhada por Rui Manuel Moura Ramos (“Situação e desafios da proteção dos direitos fundamentais na União Europeia”, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 146.º, n.º 4000, setembro-outubro, 2016, p. 44), acrescen- tando que essa construção da decisão envolveu a correção do “[…] que constituiu uma falsa partida, no caso Storck [de 1959], em que o [TJUE] exclui[ra] a possibilidade de considerar, como parâmetros de validade dos atos comunitários, normas nacionais qualquer que fosse a sua natureza, inclusivamente de caráter cons- titucional […]”. Sintomaticamente, o primeiro passo dado pelo Tribunal de Justiça neste diálogo de jurisdições (falando de diálogo expressamos uma ideia que a observação em continuum da interação entre o TJUE e os Tribunais Constitucionais nacionais nos sugere vivamente) pode ser qualificado – usando um paradoxo que é apa- rente – como uma confrontação conciliatória, no sentido em que o Tribunal, assumindo como própria uma competência material enfaticamente afirmada por uma outra jurisdição (afirmar uma competência própria significou excluir a competência de alguém), integrou no percurso argumentativo conducente a essa decisão – rectius , integrou na respetiva ratio decidendi – o que consabidamente constituía a gramática própria do constitucionalismo germânico – expressa no princípio da proporcionalidade –, com a qual (com o qual) o Tribunal Administrativo de Frankfurt am Main confrontara nessa ocasião o Tribunal de Justiça no pedido de decisão prejudicial respeitante à validade de uma norma de Direito Comunitário. Aquele tribunal nacional,

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