TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

628 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Estados Unidos da América e o artigo 31.º da Lei Fundamental de Bona). Sem prejuízo da grande diversi- dade dos modelos federais, largamente decorrente de experiências históricas e arquiteturas institucionais dis- tintas, nestes os tribunais do nível federal têm invariavelmente a competência para apreciar a conformidade da lei estadual com a ordem jurídica federal; pelo contrário, o TJUE não pode sindicar os atos legislativos dos Estados-membros. Assim, nos sistemas federais a unidade da ordem jurídica é assegurada pelo poder judicial da federação – nisto reside a supremacia do direito federal −, ao passo que o primado do DUE depende inteiramente da prioridade aplicativa que lhe seja dada pelos tribunais nacionais. Na eventualidade de estes se recusarem a reconhecer o primado, os únicos instrumentos de garantia ao dispor da União Europeia são os mecanismos de responsabilidade por incumprimento. O primado do DUE encontra-se, por isso, a meio caminho entre a supremacia do direito federal e a garantia do direito internacional, nisso se refletindo a natureza peculiar do processo de integração europeia.   Como é sublinhado por Amedeo Arena ( The Twin Doctrines of Primacy… , cit., p. 308): “[…] a constru- ção do primado na União Europeia não acarreta a invalidade do Direito nacional, mas apenas a desaplicação deste até onde ele se mostre incompatível com o [DUE] diretamente aplicável à situação em causa. Daí que o Direito nacional permaneça válido e eficaz fora da área de sobreposição com o DUE, designadamente nas situações puramente internas dos Estados, sem transcendência comunitária. Além disso, o TJUE, contra- riamente ao que sucede com a generalidade dos tribunais federais, não dispõe de autoridade para invalidar medidas nacionais que divirjam do DUE. Esta circunstância confere à doutrina do primado um sentido necessariamente bidimensional: enquanto a enunciação deste constitui domínio exclusivo do TJUE, a sua aplicação concreta constitui tarefa dos tribunais nacionais. A base de confiança na cooperação dos Estados- -membros que esta circunstância envolve, marca, possivelmente, a diferença distintiva da União Europeia das doutrinas da supremacia federal”. 2.3.2.3.1. A este enquadramento do primado, caracterizado pelo afastamento de manifestações de fede- ralismo jurídico na incidência do DUE sobre o dos Estados-membros, constituirá exceção a situação deci- dida no acórdão do TJUE de 26 de fevereiro de 2019 ( Ilm ā rs Rimš ē vi č s c. República da Letónia; processos C-202/18 e C-238/18), resultante do caso especial previsto no artigo 14.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, em que o TJUE invalidou diretamente  (anulou) uma medida interna divergente do DUE. Constituindo este um caso único de reação própria de tribunais federais referida ao TJUE, adquire, porém, a natureza de uma exceção, que se compreende – só se compreende – no contexto de uma competência exclusiva da União, como sucede com a política monetária, “[…] para os Estados-membros cuja moeda seja o euro” (artigo 3.º, n.º 1, alínea c) , do TFUE;  isto mesmo foi sublinhado, ainda antes do Tratado de Lisboa, por Maria José Rangel de Mesquita, O Poder Sancionatório da União e das Comunidades Europeias Sobre os Estados Membros , Coimbra, 2006, pp. 510/511; cfr., Maria Luísa Duarte, “O Banco Central Europeu e o Sistema Judicial da União Europeia: Supremacia Decisória e Controlo da Legalidade”, nos Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco , Lisboa, 2006, pp. 172/173). 2.3.3. O princípio do primado, expressando na sua essência um modelo decisório assente na sobrepo- sição do DUE no confronto com os Direitos nacionais, necessariamente projeta, pela sua funcionalidade intrínseca, efeitos de exclusão nas ordens jurídicas internas. A esse efeito corresponde (acaba necessariamente por corresponder) a afirmação da prevalência das normas de DUE em detrimento das normas nacionais, devendo acrescentar-se que a projeção deste efeito vale ( rectius , valeu sempre para o Tribunal de Justiça e vale, no presente, para o TJUE) relativamente ao conjunto do Direito nacional, independentemente da sua natureza e estatuto hierárquico interno. É este, com efeito, o entendimento do alcance do primado, no quadro referencial construído pelo TJUE, que sempre o afirmou, indistintamente, relativamente “[a] todas as normas de direito interno dos Estados- -membros independentemente do seu nível hierárquico, incluindo, portanto, as de natureza constitucional”

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