TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
626 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fundamentais contidos na Carta (Dimitry Kochenov, ibidem , pp. 88/98), o incumprimento tem sido fre- quentemente caraterizado como violação sistémica reportada a valores básicos da União, ou que consistente- mente pressagie esse resultado – quer no específico quadro do processo por incumprimento quer, inclusive, no quadro de questões prejudiciais colocadas por órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, este conceito, “[…] de incumprimento ‘sistémico’ ou ‘estrutural’[,] não é completamente estranho à jurisprudência do TJ, que admite que os Tratados não excluem a hipótese de tratamento de um número significativo de situações com base nas quais a Comissão considere que um Estado repetidamente e durante um longo período incumpriu as obrigações a que está adstrito, ou seja, uma «violação estrutural e generalizada» (acórdão do TJ de 26 de abril de 2007, Comissão/Itália , proc. C-135/05, n. os 18-23, em especial 22 (ECLI:EU:C:2007:259) […]” (Maria José Rangel de Mesquita, “União Europeia e incumprimento esta- dual: novos rumos?”, nos Estudos em Homenagem ao Senhor Conselheiro Presidente Joaquim de Sousa Ribeiro , Coimbra, 2019, p. 1753, nota 127). Assim se acolhe, no DUE, um conceito próximo ao que subjaz e gera os procedimentos agregados conducentes aos designados acórdãos-piloto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (nesse quadro codificados, desde 2011, na Regra 61.º do Regulamento do TEDH: “[o] Tribunal pode decidir aplicar o procedimento de acórdão-piloto […] quando os factos na origem de uma queixa revelam a existência, na Parte Contratante implicada, de um problema estrutural ou sistémico ou de outra disfunção semelhante na origem de, ou que seja suscetível de originar, outras queixas análogas”). Note-se que a ideia de uma deficiência ou falha sistémica, expressão de um desvalor qualitativamente superior, diferencia-se de uma situação conflitual ativadora do primado, visando antes situações particular- mente problemáticas, desde logo, e como manifestações mais evidentes do desvalor em causa, com corres- pondência no parágrafo 2.º do artigo 7.º do TUE (que pressupõe, como elemento desencadeador da reação nele prevista,“[…] uma violação grave e persistente, por parte de um Estado-membro, de algum dos valores referidos no artigo 2.º […]”). Com efeito, “[p]ara identificar este tipo de situações são empregues diversas expressões: [incumpri- mento] ‘geral’, ‘estrutural’ ou ‘essencial’. Todavia, a expressão mais frequente na identificação da situação é ‘sistémica’: a que melhor captura o sentido profundo das situações visadas, distinguindo-as de disfunções ‘normais’, estabelecendo um contexto geral de compreensão do fenómeno na sua singularidade” (Armin von Bogdandy, Principles and Challenges of a European Doctrine of Systemic Deficiencies , agosto, 2019, Max Planck Institute for Comparative Public Law & International Law (MPIL) Research Paper No. 2019-14, disponível em: https://ssrn.com/abstract =3431303 ). E, enfim, o mesmo não deixa de suceder com o já aludido processo geral por incumprimento previsto nos artigos 258.º a 260.º do TFUE, também referido, quanto à sua fase contenciosa, como “ação por incumprimento do Direito da União por um Estado-membro”, destinado(a) a obter uma decisão do TJUE declarando essa situação de incumprimento e instando o Estado visado a pôr fim a tal conduta, sem prejuízo da fixação de sanções pecuniárias respeitantes ao incumprimento, con- forme os casos, em primeiro e segundo graus, nos termos dos n. os 3 e 2 do artigo 260.º do TFUE (ou seja, em julgamento único, integrando a dimensão declarativa e sancionatória, ou em julgamento diferenciado sequencialmente dirigido a cada uma dessas dimensões, cfr. Koen Lenaerts, Ignace Maselis, Kathleen Gut- man, EU Procedural Law , cit., pp. 159/160 e nota 7 da p. 159). Nestes casos, a jurisprudência do TJUE, caracterizando a adequação da ação de incumprimento sediada no TFUE, reconduz a situações de incumpri- mento “geral e persistente” ou “generalizado” (expressões empregues, em tal contexto, no acórdão de 26 de abril de 2005, processo C-494/01, Comissão c. Irlanda , cfr. parágrafo 27), ou, na referenciação ao aparelho judiciário dos Estados-membros, que envolvam a consolidação de uma corrente decisória contrária ao DUE ( ibidem , pp. 166/167, citando o acórdão de 9 de dezembro de 2003, processo C-129/00, Comissão c. Itália , cfr. parágrafo 32). Aliás, na captação do sentido da diferença substancial entre esse incumprimento (qualificado) e o mero conflito entre normas de DUE e de Direito dos Estados-membros – o pressuposto normal do acionamento, enquanto regra de decisão, do princípio do primado –, basta considerar, na identificação da primeira situação, a presença recente na jurisprudência do TJUE, tanto no quadro de reenvios prejudiciais como de processos
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