TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

625 acórdão n.º 422/20 para o não acatamento pelo Estado-membro da decisão do Tribunal de Justiça declarando a existência de incumprimento (cfr. o artigo 171.º); no presente – como adiante melhor veremos –, referem-se ao processo de incumprimento (e preveem a aplicação de sanções)  os artigos 258.º a 260.º do TFUE. Foi precisamente a constatação do caráter insatisfatório  desses mecanismos de reação ao incumprimento – face a um não acatamento, surgido na dinâmica da interação quotidiana das ordens jurídicas nacionais com a da União, decorrente da postergação das normas de DUE –, que conduziu, por evidente necessidade prática de garantir a efetividade imediata do DUE, à afirmação do primado deste (cfr. William Phelan, “The Revolutionary Doctrines of European Law and the Legal Philosophy of Robert Lecourt”, in The European Journal of International Law, vol. 28, n.º 3, 2017, pp. 938/940; William Phelan, Great Judgments of the Euro- pean Court of Justice – Rethinking the Landmark Decisions of the Foundational Period, Cambridge University Press, Cambridge, 2019, pp. 229/231). 2.3.2.2. Na dinâmica institucional da União Europeia, a resposta antagonista do desvalor consubstan- ciado no incumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados pelos Estados-membros, corresponde a planos diferenciados pela respetiva incidência. Existe o que poderíamos qualificar como um incumprimento geral, sedeado nos artigos 258.º a 260.º do TFUE. Paralelamente, referido a manifestações de descaso quanto aos valores fundamentais da União expressos no artigo 2.º do TUE, vale o processamento decorrente do artigo 7.º do TUE, estabelecido em 1999 no Tratado de Amsterdão. Ora, o (simples) conflito de normas nacionais com normas de DUE, que constituiu em 1964 (e consti- tui no presente) a base de afirmação do princípio do primado, não expressando na sua essência – como quase sempre sucede – um propósito de desacato ao DUE [expressando antes, o mais das vezes, um contexto con- flitual induzido por particularidades do Direito nacional, cuja base de incidência no processo interativo da União com os Estados-membros os Tratados não deixam de integrar (cfr. os artigos 4.º, n. os 1 e 2 e 5.º, n. os  1 e 2, do TUE)], traduz um fenómeno impossível de afastar em qualquer interação entre sistemas normativos autónomos – mais ainda numa relação com a complexidade gerada pela construção europeia –, postulando um enquadramento especificamente talhado em função da necessidade prática de uma resolução imediata, a qual, não obstante, se integre numa estratégia de gestão conflitual desencadeadora de cooperação, por esba- timento da potencialidade de confrontação. Diversamente, a reação ao incumprimento – ao incumprimento tout court – estabelecida nos Tratados, na versão inicial, contemporânea de Costa c. Enel , e na atual, tanto na resposta formada pela compaginação dos artigos 7.º e 2.º do TUE, como na decorrente dos artigos 258.º a 260.º do TFUE, envolve, em qualquer dos casos, algo bem mais expressivo, pressupõe, enfim, uma realidade diferente das vicissitudes relacionais geradas num processo dinâmico de interação entre ordens jurídicas autónomas cujo desenvolvimento cria atrição, mas tende a conduzir a ajustamentos e integração. Vale, pois, a adjetivação do incumprimento, nos termos previstos nos Tratados, para situações subs- tancialmente distintas do que poderíamos designar como o dia a dia dos conflitos normativos ativadores do princípio do primado. Sendo o processo por incumprimento geral ou comum (artigos 258.º a 260.º do TFUE) um meio contencioso de ultima ratio – que até pode estar ligado a situações mais graves de inob- servância do princípio do primado pelos Estados-membros –, a evolução que o mesmo registou ao nível do direito originário foi no sentido da sua eficácia: seja através da previsão de um processo por incumprimento em segundo grau (artigo 260.º, n.º 2, do TFUE); seja através da aplicação de sanções pecuniárias aos Estados- -membros, primeiro numa ação por incumprimento em segundo grau [através de um segundo julgamento, vide o artigo 260.º, n.º 2, do TFUE; cfr. Bernard Schima, The EU Treaties and the Charter of Fundamental Rights. A Comentary, Manuel Kellerbauer, Jonathan Tomkin (eds.), Oxford University Press, Oxford, 2019, pp. 1789/1790] e, depois do Tratado de Lisboa, também, em certos casos, numa ação por incumprimento em primeiro grau (artigo 260.º, n.º 3, do TFUE; ibidem , p. 1793). Mais recentemente, sobretudo a par da evolução registada em matéria de controlo do incumprimento dos valores da União (artigos 2.º e 7.º do TUE), em especial o da rule of law e do respeito pelos direitos

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