TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
622 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL desastrosas” da consolidação do entendimento do Tribunal Constitucional de um Estado-membro que nes- sas circunstâncias confrontou o Tribunal de Justiça: “[…] Observaremos apenas […] que o Tribunal Constitucional [italiano] se refere ao conflito entre a lei conside- rada e a lei [italiana] de ratificação [do Tratado], quando o que está em causa é um conflito entre a lei e o Tratado (ratificado por uma lei ordinária). Mas, aquilo em que queremos insistir são as consequências desastrosas – a palavra não é demasiado forte – que essa jurisprudência, a ser mantida, pode vir a ter no funcionamento do sistema institucional estabelecido pelo Tratado e, consequentemente, no futuro do mercado comum. Com efeito, […] este sistema baseia-se na criação de uma ordem jurídica distinta da dos Estados-membros, mas à qual está íntima e mesmo organicamente ligada, de tal forma que o respeito mútuo e constante das competências res- petivas dos órgãos comunitários e dos órgãos nacionais é um dos requisitos fundamentais do funcionamento do sistema conforme ao Tratado e, consequentemente, da realização dos objetivos da Comunidade. [E]ste respeito mútuo exige que as normas Self-executing do Tratado e os regulamentos corretamente adotados pelos órgãos executivos comunitários possam ser imediatamente aplicados nos Estados-membros. É esta a ordem jurídica instituída pelo Tratado de Roma e cabe ao Tribunal de Justiça, e só a ele, determinar o seu alcance, se for caso disso, através dos seus acórdãos. Se uma jurisdição constitucional de um dos Estados-membros, na plenitude da sua competência, viesse a reco- nhecer que esse resultado não podia ser alcançado no quadro das normas constitucionais do seu país, por exemplo, com respeito às leis ordinárias contrárias ao Tratado, que prevaleceriam sobre o próprio Tratado, sem que nenhum juiz (nem mesmo o juiz da jurisdição constitucional) tivesse o poder de suspender a sua aplicação enquanto não fossem revogadas ou modificadas pelo Parlamento, essa decisão criaria, entre as duas ordens jurídicas, um conflito rigorosamente insolúvel e abalaria os próprios fundamentos do Tratado. Não só este não poderia, nas condições por ele previstas, ser aplicado no país em causa, mas, por uma reação em cadeia, também, provavelmente, não o poderia ser nos outros países da Comunidade […]” (itálicos acrescentados). 2.3.2. Torna evidente a situação que acabámos de descrever – situação que conduziu em julho de 1964 ao acórdão Costa c. ENEL – que o princípio do primado expressa uma funcionalidade existencial do DUE (uma “exigência existencial”, na expressão de Pierre Pescatore, L’ordre juridique des communautés européennes , ed. Bruylant, Bruxelas, 2006, p. 221), nos termos em que o Tribunal de Justiça nessa decisão o caracterizou: “[…] Diversamente dos tratados internacionais ordinários, o Tratado CEE institui uma ordem jurídica própria que é integrada no sistema jurídico dos Estados-membros a partir da entrada em vigor do Tratado e que se impõe aos seus órgãos jurisdicionais nacionais. Efetivamente, ao instituírem uma Comunidade de duração ilimitada, dotada de instituições próprias, de per- sonalidade, de capacidade jurídica, de capacidade de representação internacional e, mais especialmente, de poderes reais resultantes de uma limitação de competências ou de uma transferência de atribuições dos Estados para a Comunidade, estes limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos e criaram, assim, um corpo de normas aplicável aos seus nacionais e a si próprios. Esta integração, no direito de cada Estado-membro, de disposições provenientes de fonte comunitária e, mais geralmente, os termos e o espírito do Tratado têm por corolário a impossibilidade, para os Estados, de fazerem prevalecer, sobre uma ordem jurídica por eles aceite numa base de reciprocidade, uma medida unilateral posterior que não se lhe pode opor. Com efeito, a eficácia do direito comunitário não pode variar de um Estado para outro em função da legisla- ção interna posterior, sem colocar em perigo a realização dos objetivos do Tratado referida no artigo 5.º, segundo parágrafo [atualmente o artigo 4.º, n.º 3 do TUE], e sem provocar uma discriminação proibida pelo artigo 7.º [atualmente o artigo 18.º do TFUE].
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