TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
621 acórdão n.º 422/20 seio da jurisdição constitucional italiana, antecedeu (e veio a determinar) o pronunciamento do Tribunal de Justiça consubstanciado no acórdão Costa c. ENEL . Referimo-nos à Sentença do Tribunal Constitucional italiano, n.º 14/1964, de 07/03/1964 (disponível na seguinte ligação: http://www.giurcost.org/decisioni/1964/0014s-64.html ) , ao decidir que a relação entre as normas comunitárias e as normas nacionais não se configurava em termos distintos da que relacionaria duas fontes nacionais situadas no mesmo plano hierárquico, inexistindo fundamento – foi o que então sustentou o Tribunal Constitucional italiano – para situar as normas europeias num plano de prevalência relativamente às nacionais. Com efeito, no ponto 6 da fundamentação da sentenza de março de 1964 (a decisão Costa c. ENEL antecedentemente proferida do lado italiano do conflito) afirmou (então) a Corte Costituzionale “[n]ão vale[r o] argumento segundo o qual o Estado, uma vez que aceitou limitar a sua soberania [através da norma constitu- cional permissiva de tais limitações decorrentes da receção do direito internacional (o artigo 11 da Constituição italiana), resultante, em tal caso, doTratado de adesão da Itália], sempre que pretendesse retomar a sua liberdade de ação, não pudesse evitar que a lei concretizadora desse objetivo incorresse no vício de inconstitucionalidade. Contra esta tese valem [ – disse, então, o Tribunal Constitucional italiano – ] as considerações ora expostas, conducentes ao entendimento de que a violação do Tratado, envolvendo responsabilidade do Estado no plano internacional, não tolhe a plena eficácia da lei consubstanciando essa violação”. Implicava esta afirmação – depois colocada em causa pelo acórdão do Tribunal de Justiça Costa c. ENEL , e mais tarde, em 1973, ultrapassada pelo próprio Tribunal Constitucional italiano na decisão Frontini (sen- tença n.º 183/1973), que estabeleceu a chamada doutrina dos contralimites (“ dottrina dei controlimiti ”) –, nas palavras de Marta Cartabia, a perspetivação, por parte da jurisdição constitucional italiana, da interação entre o DUE e o Direito nacional nos termos seguintes: “[…] Entendeu o Tribunal [Constitucional italiano] que, nas situações de conflito entre normas nacionais e as nor- mas comunitárias, a norma mais recente prevaleceria sobre a mais antiga, independentemente da origem dessas normas. Significava isto que a Itália, e particularmente o Parlamento italiano, não estaria limitado pelas normas Comunitárias: poderia sempre aprovar uma lei contrária ao Direito Comunitário, que esta não deixaria de pre- valecer na ordem interna italiana. O Tribunal foi ao ponto de afirmar que a Itália poderia até deixar de pertencer à Comunidade Europeia através de um simples ato do Parlamento nesse sentido. Claro que, escolhendo assim proceder, poderia ser responsabilizada ao nível internacional por violação do Tratado. Todavia, do ponto de vista constitucional, não estava proibida de o fazer. Obviamente que este entendimento era inaceitável para a Comuni- dade, posto que, se todos os Parlamentos nacionais (ou mesmo um só deles) dispusessem do poder de fazer descaso das normas comunitárias, o poder normativo da Comunidade seria esvaziado, tornando-se inútil. […]”. E acrescenta a mesma Autora, referindo-se à subsequente reação do Tribunal de Justiça, “[…] [A] preocupação gerada no seio da Comunidade por esta situação foi tão profunda que o Tribunal de Justiça, confrontado com a posição do Tribunal Constitucional italiano, estabeleceu expressamente a doutrina da supre- macia do Direito Comunitário sobre o Direito nacional na decisão do recurso respeitante ao caso Costa-ENEL . […]” (“The Italian Constitutional Court And The Relationship Between The Italian Legal System And The European Community”, in Michigan Journal of International Law, Vol. 12, issue 1, 1990, p. 177). Com efeito, ilustrando este sentimento de profunda preocupação gerado pela posição da jurisdição constitucional italiana, observamos, desde logo, no percurso na jurisdição comunitária que conduziu à prolação do acórdão Costa c. Enel , a veemência da posição do Advogado-Geral, antevendo “consequências
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=