TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
62 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de operador de TVDE possa também estar registada como agência de viagem e turismo ou como empresa de animação turística, integrando o objeto social o exercício de ambas as atividades. Nessa eventualidade, esse operador poderá ter veículos alocados à prestação de serviços de TVDE e veículos alocados à prestação de serviços de turismo, ou inclusivamente utilizar o mesmo veículo para prestar alternadamente ambos os serviços. A única limitação a este respeito resulta da definição do conceito de serviço de TVDE inscrito no artigo 2.º, n.º 3, o qual, como acima exposto, impede que um veículo afeto ao serviço de TVDE preste o transporte relativo a esse serviço de forma diferente da que se encontra descrita (ou seja, não realize o trans- porte entre dois pontos previamente selecionados pelo utilizador e o serviço não termine com o abandono pelo utilizador desse veículo depois de realizado o transporte para o destino selecionado). Assim, o motorista desse veículo só não poderá prestar serviços de turismo enquanto se encontra a prestar o serviço de TVDE (isto é, quando esteja ligado à plataforma eletrónica e receba o pedido de transporte do passageiro através da mesma, nos termos previstos no artigo 5.º, n.º 1, deste diploma). Mas esse motorista não se encontrará já impedido de prestar serviços de turismo quando não esteja a prestar um serviço de TVDE, desde que, natu- ralmente, o operador se encontre também registado como agência de viagem e turismo ou como empresa de animação turística. Por conseguinte, se o artigo 12.º do Decreto em apreciação proibisse em absoluto os operadores de TVDE de exercer serviços de turismo, isso constituiria uma limitação inovadora ao desempenho daquela atividade, que não encontraria cobertura no regime consagrado na Lei mencionada. Essa limitação traduzir- -se-ia numa restrição originária ao direito à livre iniciativa económica privada previsto no artigo 61.º da Constituição, pois, a liberdade de empresa constitui uma dimensão essencial desse direito fundamental, sus- cetível de ser considerada análoga à categoria dos direitos, liberdades e garantias. De igual forma, a limitação em questão implicaria ainda uma restrição originária à liberdade de escolha de profissão consagrado no artigo 47.º da Constituição, na medida em que impediria um motorista de constituir a sua própria empresa para prestar simultaneamente serviços de TVDE e serviços de turismo. Nessa eventualidade, e tendo em conta que a regulação de direitos, liberdades e garantias (ou de direitos fundamentais com natureza análoga, nos termos do artigo 17.º da Constituição) integra a reserva relativa da competência da Assembleia da República [artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição], a restrição em questão estaria ferida de inconstitucionalidade orgânica, pois não poderia ser feita pela Assembleia Legislativa da RAM. Porém, não é esta a interpretação que deve ser dada ao artigo 12.º do Decreto em apreciação. Como resulta do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas recons- tituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». O n.º 3 do mesmo artigo acrescenta ainda que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Ora, se o legislador tivesse pretendido impedir em absoluto que os operadores de TVDE pudessem também prestar serviços turísticos, o mesmo teria expresso essa sua intenção de forma clara e inequívoca, nomeadamente proibindo que os operadores de TVDE se encontrassem também registados como agências de viagem e turismo ou como empresas de animação turística, ou, mais genericamente, exigindo a exclusi- vidade da atividade de operador de TVDE. Ao invés, o artigo 12.º limita-se a proibir que os operadores de TVDE prestem serviços turísticos com uma componente de transporte, o que parece apontar para uma proi- bição com um alcance marcadamente objetivo (incidente sobre a forma como o serviço de TVDE deve ser concretamente prestado) e não com alcance subjetivo (incidente sobre o tipo de atividade que os operadores de TVDE podem levar a cabo, vedando-lhes em absoluto a possibilidade de desempenhar uma atividade que implique a prestação de serviços turísticos nas duas diferentes modalidades acima referidas). Ademais, importa ter presente que a definição de «serviços turísticos» contida no n.º 2 do artigo 12.º se refere à prestação concreta de um serviço de transporte no âmbito de serviços turísticos e não à prestação de serviços turísticos em geral. Na verdade, após estabelecer que se consideram «(…) serviços turísticos quais- quer serviços de transporte», esta norma concretiza nas suas três alíneas esses serviços por referência a cenários
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