TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

619 acórdão n.º 422/20 jurisprudencial do Direito, que passaram a integrar um verdadeiro acquis communautaire , gerador de um efeito de vinculação decisória a determinados pressupostos interpretativos, definidos e projetados pelo Tri- bunal como correspondendo à essência significativa do DUE. OTJUE nunca assumiu uma caracterização específica desta sua jurisprudência identitária – (“[…] o Tri- bunal, nas suas decisões, não revela muito sobre a forma como concebe a natureza do seu próprio «direito do caso»”, Tamás Szabados, “«Precedents» in EU Law –The Problem of Overruling”, in ELTE Law Journal, 2015 – 1, disponível em: https://eltelawjournal.hu/precedents-eu-law-problem-overruling/ , pp. 129 e 145) –, sendo este fenómeno de vinculação às construções jurídicas através das quais o Tribunal de Justiça foi forjando a afirmação do DUE identificado como expressão de um condicionamento decisório decorrente de “[…] uma abordagem orientada por precedentes”, que, “[i]ndependentemente de se determinar se estas decisões assu- mem a natureza de precedentes jurídicos clássicos, o Tribunal consistentemente vem afirmando ser devida deferência a uma linha de ‘direito do caso’ que se mostre bem estabelecida. A autoridade que o Tribunal reco- nhece às suas decisões anteriores decorre da necessidade de garantia dos valores da coerência, uniformidade e certeza inerentes a qualquer ordem jurídica. Mas esses valores são particularmente importantes no quadro de referência de um sistema descentralizado de garantia, como sucede com a ordem comunitária”  (Miguel Poiares Maduro, “Interpreting European Law – Judicial Adjudication in a Context of Constitutional Plu- ralism”, in Working Papper IE Law School, 5 de fevereiro de 2008, disponível em SSRN, através da ligação: https://ssrn.com/abstract =1134503 , pp. 9/10). Note-se que não estamos, na perspetiva em que o TJUE assume e projeta o sentido destas decisões, perante a pretensão de induzir um mero efeito persuasivo, já que o tribunal não se limita a pretender criar convencimento num grupo alargado de destinatários, designadamente nos tribunais dos Estados-membros, fornecendo-lhes razões cuja força seja apta a gerar adesão e a encaminhar o percurso justificativo de ulteriores pronunciamentos no mesmo sentido, com base em argumentos de paralelismo ou de identidade de razão. Indo bem mais além quanto ao sentido que projeta através deste tipo de decisões, o TJUE estabelece uma construção jurídica condicionante do resultado a alcançar, sempre que essa construção, pela natureza da questão jurídica suscitada, deva ser instrumentalmente convocada, projetando assim um efeito de captura da interpretação que, no plano afirmativo construído pelo TJUE, se manifesta num condicionamento decisório a essa construção adrede afirmada pelo Tribunal, sendo nesse elemento que ela pode – passou a poder na sequência da sua afirmação pelo TJUE – ser caracterizada como um dado fixo (como sucederia com uma disposição expressa dos Tratados consagrando os princípios em causa), indutor de um efeito de vinculação decisória gerado por uma construção abstrata referida ao DUE, diretamente deduzida da essência teleológica profunda deste. É nesta base que a doutrina juscomunitária projeta no DUE, enquanto direito secundário ou derivado jurisprudencialmente construído, os princípios gerais decorrentes dessas construções identitárias [Koen Lenaerts e Piet Van Nuffel ( European Union Law, 3.ª edição, Sweet &Maxwell, Londres, 2011, p. 753) identificam essas construções como “[…] rules created by Union institutions and bodies (secondary or ‘derived’ Union law) and other rules which have been accepted by case law as being general principles of Union’s legal order ”], valendo estas como elementos referenciais do DUE, conferindo-lhe uma base de edificação sui generis . Referimo-nos especificamente ao que constitui, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, um grupo de decisões portador de grande significado, pela transcendência do seu sentido substancial, como sucede com os acórdãos Van Gend en Loos , Costa c. ENEL , Internationale Handelsgesellschaft e Simmenthal , que originaram um núcleo identitário de princípios estruturantes do DUE, formando, no elemento decisório através deles afirmado, um conjunto qualitativamente diferenciado de decisões contendo e projetando o que poderíamos caraterizar como uma “construção jurídica fundacional”, com o sentido de traduzir o “[…] reconhecimento, num quadro de ‘direito do caso’, da existência e aplicação de uma categoria básica, referida a uma questão constitucional, que é estabelecida e perdura ao longo do tempo” (Michael J. Gerhardt, “Super Precedent”, in Minnesota Law Review , vol. 90, 2006, p. 1210).

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