TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O conteúdo jurídico-constitucional do princípio da igualdade tem vindo progressivamente a alargar-se, de acordo com a síntese dialética dos ‘momentos’ liberais, democráticos e sociais. O seu âmbito de proteção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proi- bição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer dife- renciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económico e cultural [cfr., por ex., artigos 9.º/ d) e f ) , 58.º-2/ b) e 74.º-1]. A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamen- talmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como igual. Nesta perspetiva, o princípio da igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Porém, a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da ‘dis- cricionariedade legislativa’ são violados, isto é, quando a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma ‘infração’ do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio. A proibição do arbítrio, ao valer como princípio objetivo de controlo, não significa em si mesma, simul- taneamente, um direito subjetivo público a igual tratamento, a não ser que se violem direitos fundamentais de igualdade concretamente positivados (por exemplo, igualdade dos cônjuges) ou que a lei arbitrária tenha servido de fundamento legal para atos da administração ou da jurisdição lesivos de direitos e interesses consti- tucionalmente protegidos..’. Antes de mais, deverá dizer-se que do elenco dos factos provados – e só com eles se poderá operar – não consta que a Autora tenha sido sujeita a qualquer tratamento discriminatório por parte do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV); ademais, tanto quanto o processo evidencia, nunca tal questão foi por si suscitada. Na tese da recorrente, a violação do princípio da igualdade entre exportadores, no confronto de processo do pagamento antecipado da restituição à exportação, decorreria do facto de, como alega na conclusão T) das suas alegações, ‘no momento em que são pedidos os pagamentos da mencionada restituição, dúvidas não existem que estamos perante dois regimes diferentes e, consequentemente, duas circunstâncias distintas: (i) um exportador que apenas obteve o pagamento da restituição após ter efetuado e provada a efetiva exportação: (ii) outro exportador que obteve um pagamento antecipado da restituição, isto é, ainda antes de ter efetivado a exportação’. No Acórdão recorrido foi afastada a alegada inconstitucionalidade com a seguinte argumentação: ‘Tão pouco se afigura atentatório do princípio constitucional consagrado no art. 13.º da CRP, pois, como a apelante bem sabe, os exportadores que optam pelo regime geral, e não pelo pagamento antecipado das ajudas à exportação, não são obrigados a prestar garantias e, por isso, são sujeitos a controlo prévio, e não a posteriori , como sucedeu no caso que analisamos, sendo certa que, tal como decidiu o TJUE, as autoridades competentes não estão obrigadas, aquando da verificação dos requisitos de concessão da restituição, a respeitar uma data-limite correspondente à data da exportação efetiva dos produtos em causa ou do seu desalfandegamento’. Esta questão foi também colocada, e nos mesmos termos, no recurso apreciado no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19/10/2016 e mereceu a apreciação seguinte, que perfilhamos:

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