TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

589 acórdão n.º 422/20 XIV - O texto constitucional aceita o sentido funcional do princípio do primado e aceita-o nos termos definidos pelo DUE, todavia, a referenciação do primado ao crescendo de áreas temáticas abarca- das pelo aprofundamento do processo de integração europeia colocou novos desafios à projeção do princípio nos elementos idiossincráticos das Constituições nacionais, fenómeno que correspon- deu, no caso português, ao contexto do aparecimento e da evolução do n.º 6 do artigo 7.º da CRP; daí que se considere, no artigo 8.º, n. os 2, 3 e 4 – e muito em especial neste último –, a incidência que essa opção, assumida no artigo 7.º, apresenta na configuração da ordem jurídica nacional, em função da necessária interação desta com um espaço dotado de uma ordem jurídica própria, e de um Direito próprio, o qual, num processo caracteristicamente autopoiético, se definiu como dire- tamente projetado nas ordens jurídicas dos Estados integrantes da União e, em todas as situações relacionais com estas, como prevalecente, inclusive quando essa relação colocasse em confronto o DUE e as normas de nível hierárquico mais elevado dos Estados-membros: as normas dotadas de estalão constitucional. XV - Na ponderação do regime estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, equacionam-se, prospetivamente, dois planos de incidência da intervenção da jurisdição constitucional nacional no quadro relacional com o DUE: um primeiro plano, que corresponde ao trecho inicial do preceito, que implica uma limita- ção (condicional) ao controlo jurisdicional nacional, significando que o DUE (todo o DUE) adqui- re imunidade ao nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade e, concretamente, à intervenção do Tribunal Constitucional no quadro do artigo 277.º, n.º 1, da CRP, sendo óbvia a mensagem normativa contida no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, de exclusão de um controlo regular da constitu- cionalidade do DUE aplicável em território português; no outro plano, por via do trecho final de sentido contralimitador, vale, relativamente ao DUE, como que o “restabelecimento” daquilo que, em rigor, sempre esteve latente: o alcance jurisdicional nacional (a competência material) decorrente do artigo 277.º, n.º 1, da CRP; neste segundo plano, quantitativamente escasso, desde logo quanto ao nível de proteção dos direitos fundamentais, cessa esse elemento caraterístico, invariavelmente afirmado pela jurisprudência do TJUE, traduzido na circunstância da primazia do DUE implicar a exclusividade do controlo da validade deste pelo TJUE; no quadro de uma compreensão articulada do artigo 8.º, n.º 4, com o n.º 6 do artigo 7.º da CRP, estarão em causa elementos característicos da identidade constitucional da República. XVI - Não obstante as particularidades do caso português, onde avulta a existência de uma clara opção do legislador constitucional de aceitação do primado em quase toda a extensão e consequências afirma- das pelo TJUE, vale, quanto ao sentido que subjaz à existência de uma fronteira entre os dois planos de incidência do controlo constitucional nacional que coexistem no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, a asserção seguinte: “[…] no que se refere ao respeito pelos limites constitucionais estabelecidos pela Constituição portuguesa à aplicabilidade do direito da União Europeia na nossa ordem interna, a última palavra não pode deixar de estar reservada ao Tribunal Constitucional.”. XVII- A existência de uma fronteira – mais até, de uma zona fronteiriça – por via da compaginação do sentido dos artigos 7.º, n.º 6, e 8.º, n.º 4, da CRP, marcando espaços em que permanece plenamente ativada a competência da jurisdição constitucional, relativamente à conformidade do DUE “[à] Constitui- ção ou [aos] princípios nela consignados” (artigo 277.º, n.º 1, da CRP), confere um sentido estra- tégico ao exercício da competência da competência pelo Tribunal Constitucional, expressando esse elemento o ponto fulcral da mensagem normativa contida no n.º 4 do artigo 8.º; mais do que uma definição por enumeração de matérias integrantes dessas cláusulas de salvaguarda constitucional,

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