TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
588 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sistemas federais a unidade da ordem jurídica é assegurada pelo poder judicial da federação – nisto reside a supremacia do direito federal –, ao passo que o primado do DUE depende inteiramente da prioridade aplicativa que lhe seja dada pelos tribunais nacionais; na eventualidade de estes se recu- sarem a reconhecer o primado, os únicos instrumentos de garantia ao dispor da União Europeia são os mecanismos de responsabilidade por incumprimento, por isso, o primado do DUE encontra-se a meio caminho entre a supremacia do direito federal e a garantia do direito internacional, nisso se refletindo a natureza peculiar do processo de integração europeia. XI - O princípio do primado, expressando na sua essência um modelo decisório assente na sobreposição do DUE no confronto com os Direitos nacionais, necessariamente projeta, pela sua funcionalidade intrínseca, efeitos de exclusão nas ordens jurídicas internas, que corresponde à afirmação da prevalên- cia das normas de DUE em detrimento das normas nacionais, valendo a projeção deste efeito relati- vamente ao conjunto do Direito nacional, independentemente da sua natureza e estatuto hierárquico interno; mesmo quando a construção jurisprudencial do princípio do primado, aponte para uma visão absolutamente incondicionada da incidência do princípio, para um entendimento deste com- pletamente “à prova” do Direito constitucional nacional, o que é facto é que a prática do TJUE não deixa de nos fornecer uma imagem mais relativizada – e muito mais complexa – da realidade do prin- cípio e o mesmo sucede com a generalidade das jurisdições constitucionais nacionais, na sua interação decisória com o TJUE, a respeito da relação do DUE com o Direito interno dos Estados-membros dotado de estalão constitucional; não obstante a expressividade da constante reafirmação do prima- do pelo TJUE, não deixamos de observar, por parte deste decisões construídas de molde a propiciar algum tipo de acomodação à afirmação pelas jurisdições constitucionais nacionais da subsistência de espaços de autonomia própria no relacionamento com o DUE, intangíveis à projeção absoluta do princípio do primado. XII - Não se refere o presente recurso à dimensão do princípio do primado correspondente ao confronto das normas internas de direito ordinário (infraconstitucional) dos Estados-membros com o DUE, questão que está inequivocamente resolvida na nossa ordem jurídica pelo n.º 4 do artigo 8.º da CRP, norma que vale com o sentido de aceitação constitucional do princípio do primado na dimensão que confronta o DUE com o direito ordinário interno, dimensão que está aquém da incidência do trecho final do mesmo n.º 4 (que corresponde ao segmento da norma que interessa à economia decisória deste recurso); há que entender o inciso final desse n.º 4 – «com respeito pelos princípios fundamen- tais do Estado de direito democrático» – como consubstanciando uma exceção à (um afastamento da) limitação decorrente do trecho inicial da mesma norma; contém o segmento inicial da norma o que corresponde à aceitação do primado do Direito da União Europeia, valendo o segmento final como afastamento, em determinadas condições, dessa primazia. XIII - Está em causa, relativamente a uma norma de DUE (de Direito derivado integrante de um Regula- mento comunitário), uma invocação, anterior à decisão recorrida, de desconformidade à Constituição da República Portuguesa, da qual se convoca como parâmetro de desvalor o princípio da igualdade plasmado no respetivo artigo 13.º, referindo-se essa invocação à interpretação que à norma de DUE em causa foi expressamente fixada pelo TJUE, ao qual incumbe, nos termos dos Tratados, a função interpretativa e integradora do DUE originário e derivado; a particular feição do problema induz como questão prévia e fundamental esclarecer se o Tribunal Constitucional pode sindicar a confor- midade constitucional do DUE e, admitindo-se que o pode fazer, qual a amplitude e quais as condi- ções para o exercício desse poder.
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