TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
587 acórdão n.º 422/20 jurisprudenciais relativamente às quais os Tratados permanecem omissos, tendo falhado o que se pode descrever como a tentativa de “codificar” o princípio do primado através de um texto reformando os Tratados, que assumiria, no quadro das fontes de DUE, a natureza de uma Constituição (correspon- deria ao que se designou então como a Constituição Europeia). VII - Não constituindo a jurisprudência fonte formal de DUE, não estamos, na perspetiva em que o TJUE assume e projeta o sentido do desenvolvimento jurisprudencial estabelecido, no início dos anos ses- senta do século passado, através do acórdão Costa c. ENEL , perante a pretensão de induzir um mero efeito persuasivo, indo bem mais além quanto ao sentido que projeta através deste tipo de decisões, projetando um efeito de captura da interpretação que se manifesta num condicionamento decisório, sendo nesse elemento que ela pode – passou a poder na sequência da sua afirmação pelo TJUE – ser caracterizada como um dado fixo (como sucederia com uma disposição expressa dos Tratados consagrando os princípios em causa), indutor de um efeito de vinculação decisória gerado por uma construção abstrata referida ao DUE, diretamente deduzida da essência teleológica profunda deste; é nesta base que a doutrina juscomunitária projeta no DUE, enquanto direito secundário ou deriva- do jurisprudencialmente construído, os princípios gerais decorrentes dessas construções jurispruden- ciais identitárias, às quais há que referir a fixação dos princípios estruturantes do DUE – o efeito direto e o primado. VIII - O efeito de relativização da eficácia do DUE – maxime , de enfraquecimento da própria União – não deixaria de decorrer do posicionamento deste em plano de paridade com o Direito ordinário dos Estados-membros; o princípio do primado expressa uma funcionalidade existencial do DUE, dele não resultando, todavia, uma construção hierarquizada da relação do DUE com os diversos Direitos nacionais, assente na afirmação de uma superioridade intrínseca daquele face a estes, mas antes um somatório de razões de cariz prático ligadas à efetividade do instrumento agregador – o DUE – da realidade jurídica autónoma criada pelos Tratados – a Comunidade Europeia. IX - Porque o primado se justifica como instrumento colocado ao serviço de uma funcionalidade organiza- cional complexa, quanto o é a ordem jurídica europeia vale o primado pelo efeito (pelo resultado) através dele pretendido alcançar, sem necessidade de lhe conferir uma (ou de o deduzir a partir de uma) funda- mentação transcendental, ou mesmo de o posicionar, num quadro descritivo caracteristicamente monis- ta, numa hierarquia de tipo vertical; as respostas ao incumprimento dos Tratados próprias do Direito Internacional Público prefiguravam-se como insuficientes ou, pura e simplesmente, inadequados, tendo sido a constatação do caráter insatisfatório desses mecanismos de reação ao incumprimento – face a um não acatamento, surgido na dinâmica da interação quotidiana das ordens jurídicas nacionais com a da União, decorrente da postergação das normas de DUE –, que conduziu, por evidente necessidade prática de garantir a efetividade imediata do DUE, à afirmação do primado deste. X - O (simples) conflito de normas nacionais com normas de DUE, que constitui a base de afirmação do princípio do primado, não expressando na sua essência um propósito de desacato ao DUE, traduz um fenómeno impossível de afastar em qualquer interação entre sistemas normativos autónomos – mais ainda numa relação com a complexidade gerada pela construção europeia; diversamente, a reação ao incumprimento – ao incumprimento tout court – estabelecida nos Tratados, envolve algo bem mais expressivo; não obstante o princípio do primado atuar diretamente sobre o conflito normativo, resolvendo-o através da preeminência do DUE, distingue-se o mesmo das construções jurídicas típicas dos sistemas federais, não podendo o TJUE sindicar os atos legislativos dos Estados-membros; nos
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