TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
581 acórdão n.º 398/20 Para tanto, para que essa intromissão formal em domínios de reserva relativa de competência parlamentar seja irrelevante, é necessário que se possa concluir pelo carácter não inovatório da normação suspeita. Não bastará a mera verificação da identidade textual dos dispositivos legais em sucessão, tendo também de ponderar-se os demais elementos de interpretação da lei, pois o mesmo texto, reproduzido em novo contexto, pode adquirir diverso conteúdo normativo. Mas, adquirida a certeza do carácter materialmente não inovatório da norma editada pelo Governo, na perspec- tiva da distribuição constitucional de competências legislativas tutelada pela inconstitucionalidade orgânica, não se vê razão para a invalidade da norma. A opção política e a volição legislativa primária do parlamento materializadas em determinado acto legislativo da Assembleia da República ou parlamentarmente autorizado mantêm-se intoca- das no ordenamento jurídico, apesar da recompilação no novo acto legislativo do Governo. A este propósito mantém-se válida a exposição que o Acórdão n.º 299/92, Diário da República , II Série, de 14 de dezembro de 1992, faz dos contornos da jurisprudência do Tribunal [..].». Importa, por isso, averiguar em seguida se a norma que é objeto de apreciação criou ou não um ordena- mento diverso do então vigente de modo a concluir-se, ou não, que se trata de norma inovadora em matéria de previsão de um crime e respetiva pena. 10. Ora, anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro, no plano infraconstitucional, não existia havia qualquer preceito de direito ordinário que (no âmbito do processo de sele- ção de jurados) previsse o crime de recusa de resposta a inquérito (previsto e punido pelo artigo 10.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro). Esta conclusão pode extrair-se da análise do regime jurídico infraconstitucional que, precedentemente ao Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro, versou sobre o tri- bunal do júri e o procedimento de escolha dos jurados – como, aliás, bem nota o recorrente Ministério Público nas suas alegações (cfr. alegações. em especial 2.1 a 2.4, supra transcritas em 5.1). Com efeito, no período posterior a 25 de abril de 1974, o Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de novembro, usando a faculdade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de março (então decretada pelo Conselho da Revolução) – segundo o qual competia ao Governo Provisório fazer decretos-leis e aprovar tratados ou acordos internacionais –, previu a possibilidade de existência de julga- mentos com intervenção de júri [cfr. Preâmbulo, 4., e III – Do julgamento com a intervenção do júri, Artigo 9.º e alterações aí previstas ao Código de Processo Penal (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16489, de 15 de fevereiro de 1929) então vigente] – diploma depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 377/77, de 6 de Setembro. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 679/75, de 9 de dezembro, adotado igualmente ao abrigo da facul- dade conferida pelo artigo 3.º, n.º 1, alínea 3), da Lei Constitucional n.º 6/75, de 26 de março, veio, uma vez restabelecido o julgamento com intervenção do júri nos processos criminais de maior gravidade, «definir a capacidade e legitimidade para o exercício da função de jurado e, bem assim, o processo de seleção dos membros do júri». No regime instituído por este diploma não estava, todavia, prevista a criminalização de qualquer conduta no quadro do processo de seleção dos membros do júri. A Constituição de 2 de abril de 1976 – em linha com a previsão de anteriores Constituições portu- guesas (cfr. Acórdão n.º 261/94, III, 7 a 9, Acórdão n.º 460/11, 2.1, e doutrina aí citada ou, ainda, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 536, A., 2, e p. 537, B, II, José Manuel Vilalonga, “O tribunal do júri. Breves considerações críticas”, in O Direito , 138.º (2006), I, pp. 169-170, ou Marcos Gonçalves, “O tribunal do júri (seleção e procedimento)”, in Julgar, N.º 30, 2016, p. 157) – previu, no originário artigo 216.º, o Júri (e, no artigo 217.º, também a participação popular na administração da justiça), depois previsto, com as sucessivas revisões constitucionais, no artigo 217.º (1982), 210.º (1989) e, finalmente, 207.º (1997). Já na vigência da Constituição de 1976, o Código de Processo Penal (CPP) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, manteve o julgamento com intervenção do júri, previsto no seu artigo 13.º
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