TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

580 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL versão originária da Constituição cujo artigo  168.º, n.º 1, previa que a autorização da AR ao Governo a fazer decretos-lei sobre matérias da sua exclusiva competência devia «definir o objeto e a extensão da autorização, bem como a sua duração, que poderá ser prorrogada» (itálico acrescentado), o artigo 168.º, n.º 2, da CRP resultante da Primeira revisão constitucional previa (e prevê ainda, na versão em vigor) acrescidamente que «As lei de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido , a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada» (itálico acrescentado). Ora, definido o objeto da autorização legislativa no artigo 1.º da Lei n.º 39/87, de 23 de dezembro – diploma relativo ao júri , de acordo com o preceituado nos artigos seguintes – e a sua duração no artigo 3.º (90 dias contados da sua entrada em vigor), o sentido e a extensão da lei de autorização legislativa estariam necessariamente contidos no artigo remanescente da Lei: o seu artigo 2.º. Dispunha este preceito que «O diploma a aprovar regulará a constituição do tribunal do júri e a capacidade para ser jurado, bem como o processo de selecção e o estatuto dos jurados». Ora, percorrido o texto do artigo 2.º da Lei em causa, é de concluir que o mesmo não constitui creden- cial parlamentar bastante para o Governo editar norma que, no âmbito do processo de selecção dos jurados que integram a composição do tribunal do júri, preveja que incorre na pena de prisão até dois anos ou multa até 200 dias – prevista no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87 – quem, sem justa causa, se recusar a responder ao inquérito (n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87). Note-se, aliás, que nenhuma referência a tal criminalização consta sequer do preâmbulo do diploma aprovado com base na referida lei de autorização legislativa. Perante o exposto, é de concluir, pois, que o Governo legislou em matéria de reserva relativa de com- petência legislativa da Assembleia da República sem a necessária autorização parlamentar, o que dita, em princípio, um vício de inconstitucionalidade orgânica [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP]. Isto já que, segundo jurisprudência reiterada deste Tribunal, «para que se afirme a inconstitucionalidade orgânica não basta que nos deparemos com produção normativa não autorizada do Governo em determinado domínio onde este órgão só poderia intervir com credencial parlamentar bastante. Com efeito, o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Desde que se demonstre que tais normas não criaram um ordenamento diverso do então vigente, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente, no seguimento de jurispru- dência que remonta à Comissão Constitucional [..], vem o Tribunal entendendo não existir invasão relevante da esfera de  competência reservada  [..]» (Acórdão n.º 211/07, II, 8., onde se conclui que a norma em apre- ciação não era inovadora; no mesmo sentido, cf. Acórdãos n. os 579/95, 229/07 ou 145/09, que concluíram pelo carácter inovador das normas cuja constitucionalidade era questionada, por referência ao “sistema geral de repartição de competências vigente”, resultante de normas de direito ordinário – do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e do artigo 95.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, respetivamente). No mesmo sentido vai o Acórdão n.º 114/08 (cf. II, 7.): «(..) o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de com- petência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente (Cfr. os Acórdãos n. os 502/97, 589/99, 377/02, 414/02, 450/02, 416/03 e 340/05 estes tirados em Secção [..], bem como o Acórdão n.º 123/04 (Plenário) [..]).

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