TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

574 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL quanto ao diploma de 1975, não seria possível levantar dúvidas de constitucionalidade orgânica, uma vez que o mesmo, com já vimos, foi emitido ao abrigo de uma Lei Constitucional, a Lei n.º 6/75. Efectivamente, “é jurisprudência do Tribunal Constitucional que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não deter- mina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica, desde que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando-se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão de soberania competente” (Acórdão n.º 114/08) 2.7. Note-se ainda que o Decreto-Lei n.º 387-A/87 não remete sequer para a punição de qualquer crime pré- -existente, como por exemplo o de desobediência que seria o que, eventualmente, mais se aproximaria. Mas mesmo que tal ocorresse continuava a ser imprescindível a intervenção da Assembleia da República ou do Governo se para tal habilitado (vd. v. g. Acórdãos n. os 256/02 e 397/14). 2.8. Podemos também acrescentar que, mesmo que naqueles casos, não fosse exigível a intervenção da Assem- bleia da República, no caso concreto a inconstitucionalidade orgânica continuaria a verificar-se.       Efectivamente, a pena estabelecida para o crime, não corresponde àquela que estava prevista para o crime de desobediência simples, nem quanto à pena de prisão, nem quanto à pena de multa (artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal), nem corresponde à pena de multa prevista para o crime de desobediência qualificada (artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal). Devemos aqui recordar que a competência legislativa da Assembleia da República é não só em matéria de defi- nição de crimes, mas também de penas. 3.    Conclusão 1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar em matéria de definição de crimes e penas [artigo 168.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição, na versão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro].  2. O Governo só tem legitimidade para legislar nesse domínio se para tal estiver habilitado pela Assembleia da República, mediante autorização legislativa para esse efeito. 3. Após a revisão constitucional de 1982 (Lei Constitucional n.º 1/82), as leis de autorização legislativa, para além de deverem definir o objecto e a extensão da autorização, como era exigido pela versão original da Constitui- ção, devem definir também o sentido dessa autorização (artigo 168.º, n.º 2, da Constituição, na versão já referida).  4. O Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro foi emitido ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 39/87, de 23 de dezembro, porém, essa Lei não habilitava o Governo a legislar, inovativamente, sobre matéria respeitante à definição de crimes e penas. 5. Assim, a norma do n.º 3, com referência ao n.º 2, do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro, enquanto estabelece que incorre na pena de prisão até dois anos ou multa até 200 dias quem, sem justa causa, se recusar a responder ao inquérito, é organicamente inconstitucional por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição, na versão operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro. 6. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.». 5.2. O recorrido contra-alegou, concluindo no mesmo sentido das alegações do recorrente Ministério Público (cfr. fls. 130-132). Isto, nos seguintes termos:

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=