TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
569 acórdão n.º 398/20 Mais se estabeleceu, em homenagem ao princípio do contraditório, que a escolha dos membros do júri se rea- liza em audiência pública, onde são largamente concedidos aos intervenientes processuais os meios de arguição das razões que impediriam, a serem aceites, a designação dos membros leigos do tribunal. Na concretização deste pensamento legislativo, o citado DL, impôs determinado formalismo legal, que se desdobra em 5 fases previstas no n.º 1 do art.º 8.°. E, assim, no seguimento do sorteio de pré-selecção, importa proceder a inquérito para determinação dos requi- sitos de capacidade, a fim de garantir a dita imparcialidade e isenção. Os requisitos de capacidade estão previstos no art.° 3.° e serão aferidos em função do inquérito. Este, consta de Portaria aprovada pelo Ministro da Justiça. A resposta ao inquérito é obrigatória, sob pena de procedimento criminal, o que está em consonância com o carácter de serviço público obrigatório do desempenho da função de jurado – n.º 3 do art.° 10°. São igualmente penalmente punidas as falsas declarações prestadas na resposta ao inquérito – n.º 2 deste mesmo preceito legal. São elementos do tipo do crime de recusa de resposta a inquérito, previsto e punido no artigo 10° n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro: o envio e recepção do inquérito; a recusa de resposta; a inexistência de justa causa; o dolo, em qualquer das modalidades. Ora, no caso em análise, estão preenchidos todos os elementos típicos do crime convocado. A questão reside em saber se efectivamente a criminalização da conduta acima descrita padece de inconstitu- cionalidade orgânica, como defende o arguido Como é sabido, é da exclusiva competência da Assembleia da Repú- blica, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a «definição de crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo criminal», sendo que «as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização» [artigo 165.°, n.º 1, alínea c) , e n.º 2, da Constituição]. Explica Gomes Canotilho ( Direito Constitucional , 5ª edição, página 861), que a autorização legislativa deve tornar previsível e transparente para o cidadão as hipóteses em que o Governo fará uso da autorização e ainda o conteúdo (objeto, sentido, extensão, alcance) que, com fundamento na autorização, virão a ter as normas autorizadas. Os Decretos-Leis autorizados que não respeitem a lei de autorização – mesmo não contendo matéria inovató- ria – são inconstitucionais, pois que, tratando-se de matéria de competência legislativa reservada da Assembleia da República, só é lícito ao Governo legislar sobre ela nos precisos termos da autorização. Os motivos da inconstitucionalidade podem traduzir-se na ultrapassagem dos limites da autorização, como é o caso de se legislar sobre matéria diferente ou para além da autorizada, ou no desrespeito pelo sentido e extensão da autorização, como sucede quando se legisle em sentido divergente do autorizado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, pág. 341). No caso da lei de habilitação em causa nos autos, que é a Lei 39/87 de 23 de dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o júri, o objecto da autorização está definido na epígrafe e no artigo 1, e a extensão no art.º 2°, onde se lê: “O diploma a aprovar regulará a Constituição do tribunal do júri e a capacidade para ser jurado, bem como o processo de seleção e o estatuto dos jurados”. O sentido da autorização legislativa, como um seu limite interno, está associado a uma exigência de princípios e critérios orientadores da ação do Governo e deverá permitir compreender a finalidade da concessão dos poderes delegados na perspetiva dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente. Por seu turno, o objeto e a extensão da autorização constituem elementos destinados a delimitar as fronteiras dos poderes que vão ser alvo da delegação. O objeto consiste na enunciação da matéria sobre a qual a autorização vai incidir, podendo ser feita por mera remissão ou de forma indireta ou até implícita, quer por referência a atos legislativos preexistentes, quer por decorrência dos princípios e critérios diretivos aplicados a uma matéria gene- ricamente enunciada ou a matérias conexas. A extensão da autorização refere-se a aspetos da disciplina jurídica daquelas matérias que vão ser objeto de modificação (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 358/92). E conforme o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar reiteradamente, o facto do Governo aprovar nor- mas respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa da Assembleia da República não determina por si só a inconstitucionalidade orgânica dessas normas: tal só sucede se as mesmas criarem um regime jurídico
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