TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
566 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do tribunal do júri, preveja que «incorre na pena de prisão até dois anos ou multa até 200 dias» – prevista no n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87 – «quem, sem justa causa, se recusar a responder ao inquérito» (n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87), nenhuma referência a tal criminalização constando sequer do preâmbulo do diploma aprovado com base na referida lei de autorização legislativa. IV - O Governo legislou em matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da Repú- blica sem a necessária autorização parlamentar, o que dita, em princípio, um vício de inconstituciona- lidade orgânica, importando averiguar se a norma que é objeto de apreciação criou ou não um orde- namento diverso do então vigente de modo a concluir-se, ou não, que se trata de norma inovadora em matéria de previsão de um crime e respetiva pena. V - Anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro não existia qualquer preceito de direito ordinário que (no âmbito do processo de seleção de jurados) previsse o crime de recusa de resposta a inquérito (previsto e punido pelo artigo 10.º, n. os 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro); no que respeita à possibilidade de existência de julgamentos com intervenção do júri e, bem assim, em especial, ao procedimento de seleção dos jurados – ainda que diverso do previsto no Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro – resulta do teor dos diversos diplomas anteriores ao Decreto-Lei n.º 387-A/87, de 29 de dezembro, que em nenhum dos mesmos foi prevista a criminalização de qualquer conduta no âmbito do mesmo procedimento, nem sequer por remissão para a punição de qualquer crime pré-existente, tipificado por lei, como por exemplo o crime de desobediência, havendo que concluir que a norma sindicada consagra, no quadro do proce- dimento de seleção de jurados, inovatoriamente, a criminalização de uma conduta. VI - Ao prever que «incorre na pena de prisão até dois anos ou multa até 200 dias» (n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87) «quem, sem justa causa, se recusar a responder ao inquérito» (n.º 3 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 387-A/87), a norma objeto do presente recurso é inovadora, na medida em que criou um crime e respetiva pena sendo, por isso – e não existindo novação da fonte por efeito de inter- venção parlamentar –, organicamente inconstitucional, uma vez que o Governo dispôs em matéria de definição dos crimes e penas e respetivos pressupostos, sem a necessária autorização parlamentar. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo de Instrução Cri- minal de Coimbra – Juiz 2, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), da decisão proferida por aquele tribunal (a fls. 107 a 110 com verso), na qual se decidiu «julgar inconstitucional o artigo 10.º, n.º 2 e 3 do DL 387-A/87, de 29 de dezembro, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , e n.º 2, da Constituição» e, em consequência, não pronunciar o arguido, ora recorrente, pelos factos e crimes de que vinha acusado (cfr. V- Decisão, a fl. 110).
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