TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
562 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «7. O direito de defesa do demandado é indiscutivelmente um direito de natureza processual que está ínsito no direito de acesso aos tribunais, nos termos do n.º 1 do art. 20.º da Constituição. Quando este preceito estatui que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, é manifesto que tanto abrange os deman- dantes que recorrem aos tribunais para fazer valer as suas pretensões, como os demandados que ficam sujeitos à jurisdição do tribunal da causa e que têm o direito de se opor a tais pretensões. Como estabelece o n.º 1 do art. 103.º da Grundgesetz alemã, “todos têm o direito a ser ouvidos em juízo” (veja-se também o art. 24.º da Consti- tuição italiana). Em todas as tramitações de natureza declarativa que conduzem à emissão de um julgamento ( judicium ) por parte de um tribunal, tem de existir um debate ou discussão entre as partes contrapostas, demandante e deman- dado, havendo o processo jurídico adequado (a due process of law clause , da tradição anglo-americana) de garantir que cada um dessas partes deva ser chamada a dizer de sua justiça ( audiatur et altera pars ). E esta exigência alarga- -se a todas as outras tramitações processuais cíveis, salvo contadas exceções, mesmo nos processos executivos, em especial quando são deduzidas oposições à própria execução ou à penhora.» Da atribuição de força executiva aos documentos particulares autógrafos, emitidos como títulos de crédito, resulta assim, necessariamente, uma compressão dos meios processuais de defesa de que o devedor poderia dispor, se a execução fosse precedida de uma ação declarativa. Contudo, o Código de Processo Civil não deixar de acautelar os direitos dos executados no âmbito da ação executiva, não se revelando especial- mente vulnerável a posição do devedor que deva opor-se à execução baseada nos títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos. Com efeito, é concedida ao devedor, nos termos gerais, a possibilidade de se opor à execução, mobili- zando qualquer dos fundamentos que poderia esgrimir no âmbito do processo declarativo (cfr. o artigo 731.º do CPC). Atento o ónus que impende sobre o credor de expor sucintamente os factos constitutivos da obri- gação subjacente (sempre que estes não constem do próprio título dado à execução), é também certo que o devedor terá condições de se opor à execução de uma obrigação causal concreta e devidamente identificada, dispondo das especiais condições de suspensão da execução fundada em documento particular previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC. Deste modo, não se vê que as normas que constituem objeto do presente recurso constituam uma res- trição dos direitos de defesa dos executados excessiva, desnecessária, desadequada ou indefensável à luz dos relevantes interesses públicos em questão, bem como dos direitos fundamentais, do credor e do devedor, de acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva, mediante processo célere e justo. Resta, portanto, concluir que a norma que constitui o objeto do presente recurso não merece censura, à luz de qualquer dos preceitos e princípios constitucionais convocados. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma extraída da interpretação dos artigos 703.º, n.º 1, alínea c) e 724.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil (na redação dada pela da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), no sentido de poderem servir de base à execução, como títulos executivos, os títulos de crédito ainda que meros quirógrafos, desde que os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio título ou sejam sucintamente expostos pelo exequente no requerimento executivo; e b) Em consequência, negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=