TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
559 acórdão n.º 397/20 redação» – cfr. José Maria Pires, O Cheque, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 1999, pp. 37 e seguintes). Mas, não podem valer como tal os títulos a que falte qualquer dos requisitos enunciados nas respetivas Leis Uni- formes (ressalvadas as exceções previstas nestes diplomas – cfr. os artigos 1.º e 2.º da LUC, e 1.º, 2.º, 75.º e 76.º da LULL), entre esses ressaltando os respetivos prazos de prescrição (cfr. o artigo 52.º da LUC e o artigo 70.º da LULL). A jurisprudência não deixou de reconhecer em tais documentos, enquanto meros quirógrafos, uma especial força probatória – desde logo, apelando ao disposto no artigo 458.º do Código Civil, nos termos do qual os documentos escritos de que conste a promessa de cumprimento de uma obrigação, ou o reco- nhecimento de uma dívida, ainda que omitam a respetiva causa, dispensam o credor de provar a relação fundamental, desde que tal prova não demande outras formalidades. Tal como esclarece António Santos Abrantes Geraldes ( Títulos Executivos , loc. cit., pp. 62-63): «Deste modo, encarados os documentos (impressos de letra, livrança ou cheque) sem a valoração consentida pela sua sujeição ao regime jurídico das respetivas Leis Uniformes, facilmente se pode visionar em cada um dele uma promessa de cumprimento ou o reconhecimento de uma dívida: na livrança, a promessa de pagamento da quantia, por parte daquele que a subscreve, a favor de quem nela é indicado; na letra, a promessa (do aceitante) de que pagará a quantia àquele que figura na qualidade de sacador; mesmo num cheque (nominativo), com relativa facilidade se antolha por detrás da ordem de pagamento dada pelo sacador ao banco sacado o reconhecimento, ainda que por interposta pessoa, de uma dívida. Em qualquer destas situações, abstraindo da génese de cada um dos referidos documentos, jorra deles uma declaração de dívida que, independentemente da sua causa, vincula o respetivo subscritor ao pagamento de uma determinada quantia, sem prejuízo da invocação, no âmbito da defesa, de factos impeditivos dos efeitos pretendi- dos ( v. g. aceite de favor, nulidade do mútuo, simulação, etc.).» À luz do disposto no artigo 458.º do Código Civil, defendeu o mesmo Autor que os cheques, letras e livranças – mesmo que não reúnam os requisitos legais para titular uma obrigação cambiária – podem ser dados à execução sem impender sobre o exequente o ónus de alegar a obrigação causal, «pois só faz sentido impor o ónus de alegação àquele sobre quem recai simultaneamente o ónus da prova» ( ibidem, p. 63). Posi- ção divergente vingou na jurisprudência a que se aludiu supra , bem como na redação conferida à alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º e à alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do Código de Processo Civil, impondo-se a invocação dos factos constitutivos da relação fundamental subjacente à emissão do título dado à execução. 10. Não parece, deste modo, subsistir dúvida de que o Código de Processo Civil, através das disposições contestadas no presente recurso, não estabelece qualquer prorrogação dos prazos de prescrição impostos pela LUC e pela LULL, nem altera de qualquer outro modo os requisitos de que depende o reconhecimento das obrigações cambiárias vertidas nos títulos de crédito, com a autonomia e abstração que lhes são próprias. Assim, não pode dar-se por demonstrada a contradição, reiteradamente invocada pela recorrente, entre as normas que constituem o objeto do presente recurso e as normas constantes da LUC e da LULL, a cujo cumprimento o Estado Português se vinculou através de convenções internacionais – nem é possível retirar desse suposto conflito as consequências que, no plano do direito constitucional, a recorrente pretende ver reconhecidas. Desde logo, não se verifica qualquer frustração da confiança depositada na prevalência do regime pró- prio dos títulos de crédito – o qual, como se referiu, não é alterado ou postergado pelo regime constante do Código de Processo Civil – nem aquela incongruência que, na perspetiva da recorrente, gera uma intolerável insegurança no comércio jurídico. Na verdade, nada obsta a que o legislador possa atribuir força executiva a qualquer documento particular ao qual reconheça especial fiabilidade – designadamente por atestar o reco- nhecimento de uma dívida ou uma promessa de pagamento de quantia certa, cuja causa surja identificada
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