TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Ressalvam-se os títulos de crédito, dotados de segurança e fiabilidade no comércio jurídico em termos de jus- tificar a possibilidade de o respetivo credor poder aceder logo à via executiva. Ainda dentro dos títulos de crédito, consagra-se a sua exequibilidade como meros quirógrafos, desde que sejam alegados no requerimento executivo os factos constitutivos da relação subjacente.» Na verdade, desde cedo «[a] experiência judiciária [demonstrou] que, em grande maioria, as ações decla- rativas cuja causa de pedir se reconduz a uma obrigação cartular não são contestadas», induzindo o legislador a, «face à credibilidade do instrumento de prova da obrigação de prestar que é o título cartular, alargar o âmbito da força executiva de títulos de origem extrajudicial» (cfr. o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de dezembro). Prescindindo-se, inicialmente, do reconhecimento notarial da assinatura do devedor apenas em títulos de crédito cujo valor fosse inferior à alçada da Relação (cfr. o n.º 1 do artigo 51.º do Código Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 533/77), passou a atribuir-se força executiva a todos os títulos de crédito, independentemente do respetivo valor (cfr. a redação do mesmo preceito, dada pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de julho). Mas, também no que diz respeito aos meros quirógrafos, a redação do novo Código de Processo Civil foi maioritariamente recebida como uma simples clarificação do regime dos títulos executivos anteriormente vigente, porquanto exprime uma orientação jurisprudencial desde há muito maioritária. Com efeito, quando confrontados com cheques, letras e livranças dados à execução, que já não reuniam os requisitos constantes das respetivas Leis Uniformes – geralmente, por se encontrar prescrita a obrigação cambiária – os tribunais foram chamados a tomar posição sobre a possibilidade de os admitir como títulos executivos (sobre a evolução desta questão na doutrina e na jurisprudência vide, Abrantes Geraldes, A.S., Títulos Executivos , cit., pp. 60 e seguintes, e Lebre de Freitas, José, A Ação Executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 73-75, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de maio de 2014, Proc. n.º 303/2002.P1.S1). Partindo claramente do pressuposto de que os cheques, letras e livranças em tais condições não podem ser invocados como verdadeiros títulos de crédito – ou títulos executivos da obrigação cambiária subordinada às respetivas Leis Uniformes –, firmou-se na jurisprudência a orientação segundo a qual estes podem não obstante valer como títulos executivos da obrigação causal ou subjacente, mesmo que esta não surja men- cionada no título, desde que a sua constituição não dependa de negócio formal e que a relação fundamental seja invocada no requerimento executivo (entre muitos outros, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2003, Proc. n.º 03A1404, de 4 de dezembro de 2007, Proc. n.º 07A3805, e de 7 de maio de 2014, Proc. n.º 303/2002.P1.S1; e os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de março de 2016, Proc. n.º 3053/12.5TJCBR-A.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de julho de 2018, Proc. n.º 5245/16.9T8GMR-C.G1; e do Tribunal da Relação do Porto de 18 de dezembro de 2018, Proc. n.º 261/18.9T8MAI-A.P1). A opção consagrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil encontra, pois, a sua génese na jurisprudência civil – sendo outrossim certo que pressupõe a especial segurança e fiabilidade no comércio jurídico, tradicionalmente reconhecida aos cheques, letras e livranças. 9. Em face da redação dos preceitos legais em apreço – bem como da jurisprudência que a inspirou –, é desde já de realçar que a norma que constitui o objeto do presente recurso pressupõe uma distinção nítida entre os títulos de crédito em sentido próprio e os títulos que, por não reunirem as condições legais para suportar uma obrigação cambiária, não podem beneficiar do respetivo regime. Enquanto títulos de crédito, os cheques, letras e livranças mantêm as suas características fundamentais (incorporação, literalidade, autonomia e abstração), encontrando-se o portador do título dispensado de invocar ou demonstrar qualquer relação extracartular ou causa da emissão do título, «[o] simples exame do título (…) deve revelar o direito cambiário, fazendo transparecer a sua natureza apenas pelo teor da sua
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