TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qualquer outro modo os requisitos de que depende o reconhecimento das obrigações cambiárias verti- das nos títulos de crédito, com a autonomia e abstração que lhes são próprias, não podendo dar-se por demonstrada a invocada contradição entre as normas que constituem o objeto do presente recurso e as normas constantes da LUC e da LULL, a cujo cumprimento o Estado Português se vinculou através de convenções internacionais – nem é possível retirar desse suposto conflito consequências no plano do direito constitucional. IV - Não se verifica qualquer frustração da confiança depositada na prevalência do regime próprio dos títulos de crédito – o qual não é alterado ou postergado pelo regime constante do Código de Processo Civil; nada obsta a que o legislador possa atribuir força executiva a qualquer documento particular ao qual reconheça especial fiabilidade – designadamente por atestar o reconhecimento de uma dívida ou uma promessa de pagamento de quantia certa, cuja causa surja identificada no próprio documento ou possa ser invocada no requerimento executivo –, não se vendo razão para afirmar que não seria possível antecipar que o legislador tomasse uma tal opção relativamente a documentos que, embora tendo sido emitidos como títulos de crédito, não podem ser submetidos ao regime próprio desses títulos, sobretudo quando este regime consagra uma orientação jurispru- dencial maioritária, desde há muito firmada. V - Seja em recursos interpostos ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Consti- tucional (que a recorrente não invocou) ou da alínea b) , «o Tribunal Constitucional não pode fiscalizar uma eventual inconstitucionalidade indireta (por violação do artigo 8.º da Constituição) de uma norma de direito ordinário, com fundamento na sua «contrariedade ao direito convencional», sendo manifestamente improcedentes as alegações que se referem à violação dos princípios da segurança jurí- dica, da proteção da confiança, da unidade do sistema jurídico e da vinculação ao direito internacional convencional nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Constituição. VI - As comparações entre portadores de quirógrafos e outros credores, e entre portadores de títulos exe- cutivos e os devedores, não logram sequer sugerir uma violação do princípio da igualdade; não se vis- lumbra que, à luz do princípio da igualdade, deva ser conferido um tratamento idêntico aos devedores e aos titulares de um direito de crédito, que aspiram a obter pelos meios judiciais próprios a satisfação do seu crédito; já quando confrontada a situação da generalidade dos credores com a dos credores que se encontram na posse de um quirógrafo, é evidente que estes últimos, podendo propor diretamente contra o devedor uma ação executiva, se encontram numa posição de vantagem, mas essa vantagem é a mesma de que beneficia o portador de qualquer título executivo e que resulta da circunstância de o legislador reconhecer a certos documentos (incluindo, a sentença proferida no âmbito do processo declarativo) uma especial aptidão para demonstrar ou certificar uma obrigação. VII - A opção contestada no presente recurso não transgride a ampla margem de conformação reconhecida ao legislador nesta matéria, não podendo entender-se que esta opção legislativa é manifestamente irra- zoável ou arbitrária; a experiência e a tradição jurídicas portuguesa dão respaldo ao reconhecimento de uma especial fiabilidade aos títulos de crédito comummente utilizados no comércio jurídico; em especial quando em causa está – como é o caso dos autos – a prescrição da obrigação cambiária, não se afigurando irrazoável que essa especial fiabilidade seja ainda reconhecida aos títulos que, tendo sido emitidos como verdadeiros títulos de crédito, não reúnem os requisitos para serem executados como tal, mas continuam a deter caraterísticas tais, que justificam que o legislador lhes reconheça uma refor- çada vocação para certificar a existência de uma obrigação exequenda.
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