TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mas antes a prescrição a favor do Estado dos certificados de aforro», a assim «designada “prescrição” é (...) uma verdadeira expropriação». É difícil acompanhar este raciocínio. Comece por esclarecer-se que a prescrição no direito civil, de onde a recorrente parece ter tirado o seu conceito, não consubstancia rigorosamente uma causa de extinção dos direitos de crédito, mas uma exceção à obrigação de cumprimento oponível pelo beneficiário ao credor (artigo 304.º, n.º 1, do Código Civil). Daí que a lei determine não haver lugar a repetição da prestação no caso de o devedor a realizar espontaneamente (n.º 2), sendo clássico o entendimento segundo o qual o efeito da prescrição civil, uma vez invocada em juízo como exceção perentória, é o de converter uma obrigação civil em natural – ou seja, causa legítima, mas não exigível, da prestação. Por outro lado, a prescrição do crédito é sempre «a favor» de terceiro, beneficiando por norma, em primeira linha, o próprio devedor; no caso dos certificados de aforro, em que o devedor é o Estado, a prescrição é naturalmente «a favor» do Estado, através do Fundo de Regularização da Dívida Pública, porque o reembolso dos títulos deixa de lhe ser exigível. A prescrição constitui uma ablação patrimonial, sem com isso possuir natureza expropriatória. A distin- ção foi esclarecida no Acórdão n.º 205/00: «A expropriação não é um conceito equivalente ao de desapropriação forçada ou de ablação de direitos sobre coisas, em todas as modalidades que estas figuras podem apresentar. (…) A expropriação é um modo de aquisição de direitos sobre coisas que tem em vista proporcionar o aproveita- mento direto dos bens pela entidade expropriante, sempre que a sua utilização se torna necessária para realizar determinados fins de interesse geral (obras públicas, reforma agrária, controlo da economia, proteção do patrimó- nio, entre os mais frequentes). É um ato, portanto, que assenta na prevalência da utilidade administrativa de um bem, para o Estado ou para outra entidade com atribuições de interesse público, em confronto com a utilidade que ele representa para o seu detentor particular. Nisso reside a justificação do sacrifício imposto ao direito do proprie- tário e, simultaneamente, a raiz do perfil histórico da expropriação como ponto de tensão especialmente sensível nas relações entre o poder público e os direitos individuais. Foi com esse sentido que a expropriação entrou nas declarações de direitos e no sistema das garantias constitu- cionais, subordinada à dupla condição da “utilidade pública” e da “justa indemnização”. (…) Só que, enquanto requisito de validade da expropriação, a utilidade pública assume um significado diferente. A exigência que nela se contém não é a da vinculação ao interesse público como categoria abstrata, mas sim a de uma ponderação feita entre uma determinada necessidade administrativa concreta e o interesse específico do titular do direito a expropriar. (…)» Quanto à norma sindicada no presente recurso, não há dúvida de que é do interesse público que em algum momento cesse a indefinição relativa aos certificados de aforro cuja titularidade ou reembolso não são reclamados pelos herdeiros. Porém, a prescrição a favor do Fundo de Regularização de Dívida Pública dos valores correspondentes a tais títulos não visa, manifestamente, a satisfação de qualquer necessidade administrativa concreta, que se traduz num imperativo de utilidade pública, dela nascendo um dever de justa indemnização fundado no princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos. Pelo contrário, a solução legal tem carácter geral e abstrato, participando ademais das razões gerais de segurança jurídica que informam a normal prescritibilidade dos direitos de crédito. De resto, segundo jurisprudência constitucional pacífica, «a Lei Fundamental não impede a existên- cia de outras limitações ou restrições ao direito de propriedade (incluindo atos “ablativos”) para além das que resultam da expropriação e da requisição» (vide o Acórdão n.º 159/07, a jurisprudência aí citada e no mesmo sentido, inter alia , o Acórdão n.º 421/09) – desde que essas restrições encontrem fundamento na proteção de outros fins dignos de tutela constitucional. Entre estes contam-se a certeza, publicidade e segu- rança do comércio jurídico, bem como a estabilização das relações jurídicas de direito privado ou público, fins estes que têm sido constantemente reiterados na jurisprudência constitucional sobre o cumprimento de

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