TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

543 acórdão n.º 396/20 a consequência normal da prescrição, o herdeiro não teria nenhum incentivo para efetivar a transmissão, bastando-se com a posse dos títulos até requerer o respetivo reembolso, criando-se com o decurso de um tempo longo uma situação de incerteza sobre a pretensão do possuidor de exercer o seu direito, com reflexos na definição pelo devedor do montante efetivo do passivo e no planeamento racional dos seus interesses financeiros – no caso dos certificados de aforro, a gestão da dívida pública. Acresceria a possibilidade de o direito não ser exercido por gerações sucessivas de herdeiros, entre as quais a posse dos títulos originários se iria transferindo, tornando-se cada vez mais difícil a reconstituição da cadeia de transmissão e a determinação da legitimidade de um portador que viesse um dia a requerer o reembolso. Ainda que se aceite que a imposição de um prazo prescricional para o exercício do direito à transmissão dos títulos constitui uma restrição do direito de propriedade, é indubitável que se trata de uma medida legítima que não ofende a proibição do excesso. A sua razão de ser prende-se com as referidas preocupações de segurança jurídica, nomeadamente obviar à incerteza gerada pela inércia do possuidor no exercício do seu direito e pela possibilidade de transferência sucessiva da posse por via sucessória. E o meio usado para atingir estas finalidades legítimas – um prazo de prescrição – é adequado, necessário e proporcional, os três testes em que se desdobra o princípio da proibição do excesso (vide, entre muitos, os Acórdãos n. os 187/01, 155/04, 188/09, 96/13 e 123/18): adequado porque cria um incentivo para que o direito seja exercido e põe fim à incerteza gerada pelo seu não-exercício dentro de um prazo razoável; necessário porque só a imposição de um prazo prescricional permite alcançar tal desiderato, de harmonia, aliás, com a solução geral da prescritibilidade dos créditos; e proporcional, no sentido estrito do termo, porque o prazo de dez anos é mais do que suficiente, em condições normais, para assegurar que o não-exercício do direito é imputável à inércia do titular. A recorrente invoca o decidido no Acórdão n.º 541/04, no sentido de que «nenhuma especificidade dos certificados de aforro» justifica este regime. Acontece que nesse aresto o Tribunal não se pronunciou sobre a questão de saber se há justificação material bastante para a imposição de um prazo de prescrição neste âmbito. A questão que apreciou foi antes a de saber se, dado o prazo de dez anos para a aceitação da herança, o prazo então previsto na lei para a transmissão dos certificados de aforro – de cinco anos – não criava uma desigualdade arbitrária no tratamento das «heranças (ou a parte da herança de uma mesma pessoa) referentes aos certificados de aforro e das heranças (ou a parte da herança) referentes aos demais bens», pelo facto de colocar os sucessíveis de heranças que integram certificados de aforro na contingência de a aceitarem num prazo mais curto ou de perderem a possibilidade de assegurar a titularidade daqueles. Como se explicou na sinopse da evolução do regime, quando essa questão foi decidida, já a lei havia sido alterada no sentido de alargar o prazo para os dez anos, sendo este o prazo fixado na lei aplicada nos autos. É certo que o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86, na redação aplicada nos autos, determina que, «[p]or morte do titular (…) poderão os herdeiros requerer no prazo de dez anos». Ora, interpretando-se este preceito como dispondo que o prazo se começa a contar a partir do momento da morte do titular – e não, como a letra parece igualmente consentir, da aquisição da posição de herdeiro por efeito da aceitação da herança –, casos haverá de incongruência entre este prazo e o prazo geral para o exercício do direito de aceitar a herança, o qual, nos termos do n.º 1 do artigo 2059.º do Código Civil, caduca ao fim de dez anos contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado. Nos termos de tal interpretação, a possibilidade de incongruência deve-se rigorosamente ao facto de o prazo para a aceitação da herança ser de natureza subjetiva, ao passo que o prazo para a transmissão da titularidade dos certificados de aforro ser de natureza objetiva. Porém, não é esse o caso dos presentes autos, nem esse o objeto do presente recurso, não se revestindo as questões de constitucionalidade que a esse respeito se podem eventualmente suscitar, com algum apoio no Acórdão n.º 541/04, de nenhuma utilidade neste processo. Conclui-se, assim, que a norma sindicada não viola a garantia constitucional da liberdade de transmis- são mortis causa da propriedade privada. 11. Alega a recorrente que, constituindo a «prescrição…a extinção d[e] [um] direito pelo decurso do tempo face à inércia do seu titular (…)», e prevendo a norma sindicada «não (...) a extinção do direito [,]

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