TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL generalidade dos direitos patrimoniais, mormente os direitos de crédito. Como se lê no Acórdão n.º 491/02, «o direito de propriedade a que se refere aquele artigo da Constituição não abrange apenas a proprietas rerum , os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de «propriedade», tais como, designadamente, os direitos de crédito e os “direitos sociais” – incluindo, portanto, partes sociais como as ações ou as quotas de sociedades» (vide ainda, entre muitos, o recente Acórdão n.º 218/20). Partindo corretamente desta premissa, raciocina a recorrente que a norma sindicada viola o direito fun- damental de propriedade, consagrado no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, na vertente, expressamente referida no preceito constitucional, de garantia da transmissão por morte. Assim é – alega – porque o ónus que a norma legal estabelece constitui um «novo e acrescido limite condicionante à transmissão por morte, apenas e especificamente quando se trate de certificados de aforro, já que, não cumprindo este acrescido limite, ainda que aceite a herança nos termos exigidos pela lei civil como foi o caso destes autos, prescreve o direito do herdeiro.» Trata-se de um equívoco. A aceitação da herança, nos termos do artigo 2050.º do Código Civil, confere ao titular o «domínio e a posse» dos bens que integram aquela. Não lhe confere necessariamente a titularidade dos direitos patri- moniais – para além dos inerentes à posse – incidentes sobre os bens, a qual pode depender da verificação de pressupostos especificamente fixados no regime aplicável a cada tipo de bens que integram a herança. Daí que a lei fale de domínio e posse, evitando conceitos como titularidade e propriedade. A aceitação da herança, na verdade, pode bem ser o passo inicial de uma cadeia de diligências e formalidades que ao her- deiro, ou herdeiros, cabe promover para salvaguarda dos seus interesses patrimoniais. Assim, por exemplo, para que se efetive a transmissão por morte dos valores mobiliários titulados nomi- nativos há que observar os trâmites dos n. os 1 e 3 do artigo 102.º do Código dos Valores Mobiliários, apro- vado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, na sua redação atual. E tratando-se de veículos, o registo de propriedade só pode ser dispensado quando o veículo se destine a ser alienado pelos herdeiros (artigo 5.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 111/2019, de 16 de agosto). Mesmo quando, como é o caso dos autos, existe um único e universal herdeiro, a transmissão por morte dos vários tipos de bens que integram a herança reclama a previsão, pelo legislador, dos trâmites tidos por necessários para assegurar uma adequada composição dos interesses relevantes, dos herdeiros e de terceiros, que a sucessão pode tanger. A imposição de outras formalidades e exigências legais a quem, aceitando a herança, se torna herdeiro não exclui de modo algum a capacidade de adquirir bens por morte nem constitui em si mesma uma «preterição de todo o regime jurídico civil». É esse o alcance do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 172-B/86. Tratando-se aqui de títulos nominativos, nunca a transmissão por morte se poderia efetuar por mero apossamento, o efeito produzido pela aceitação da herança. É que os certificados de aforro na posse do her- deiro encontram-se titulados em nome do de cujus , tornando-se indispensável uma formalidade para que a transmissão da titularidade tenha lugar. O que a lei exige do herdeiro, em plena consonância com a natureza dos bens em causa, é o exercício de um poder de escolha entre formas alternativas de efetivar a transmissão: a realização do valor económico dos títulos através do reembolso ou a emissão de novos certificados em nome do herdeiro com a data de emissão dos antigos. Com a desmaterialização dos certificados de aforro, deixou de ser necessária a emissão de novos certificados, bastando a modificação do nome do titular, o que explica a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 47/2008. Ao impor sobre o herdeiro o ónus de observar certa formalidade, o regime não só não restringe a liberdade de transmissão por morte, como consubstancia a condição da sua viabilidade no que respeita a esta categoria de bens. 10. Assim se compreende a razão de ser da imposição de um prazo e a cominação de efeito prescritivo pelo seu transcurso. Se a lei não exigisse que o direito fosse exercido num determinado prazo, associando-lhe

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