TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Alega ainda que a norma padece de inconstitucionalidade orgânica, já que o Decreto-Lei n.º 172-B/86 foi aprovado pelo Governo sem autorização da Assembleia da República, embora incida sobre matérias abrangidas pela reserva de competência legislativa desta, mormente as previstas nas alíneas a) , b) e e) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. No requerimento de interposição de recurso, a recorrente menciona expressamente apenas as alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 165.º – que se referem, respetivamente, ao estado e capacidade das pessoas e ao regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública –, tendo as partes sido notificadas para produzir alegações a respeito da eventual violação desses parâmetros constitucionais. Porém, não deixou a recorrente de afirmar ainda que, «as intervenções no âmbito de proteção do[s] direitos, liberdades e garantias só podem ser estabelecidas por lei (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), sendo absolutamente pacífico que o direito de propriedade goza, neste âmbito, do regime destes direitos», de modo que a violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, expressamente arguida nas alegações de recurso, não pode considerar-se maté- ria nova, justificando-se o conhecimento da questão de constitucionalidade que encerra. 7. Para a boa apreciação do presente recurso, convém fazer uma breve sinopse da evolução do regime jurídico dos certificados de aforro. Esta categoria específica de títulos de dívida pública foi criada pelo Decreto-Lei n.º 43 453, de 30 de dezembro de 1960, com o desiderato de «conceder uma aplicação remuneradora aos pequenos capitais» (artigo 14.º), passando a integrar o elenco das «formas de representação da dívida pública» [alínea g) do artigo 15.º], que antes constava do artigo 22.º da Lei n.º 1933, de 13 de fevereiro de 1936. O diploma instituiu também o Fundo de Regularização da Dívida Pública, a favor do qual prescreveriam, nos termos da alínea b) do artigo 18.º do mesmo diploma, «[o]s títulos ou certificados, com exceção dos certificados de renda vitalícia, cujos ren- dimentos deixarem de ser cobrados durante dez anos, a contar do primeiro vencimento posterior ao dos últimos juros ou rendas recebidas ou da data em que tiver sido posta à ordem um nova folha de cupões.» O Decreto n.º 43 454, publicado na mesma data, veio estabelecer o regime dos certificados de aforro, caracterizando-os como títulos «nominativos, amortizáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a favor de pessoas singulares» (artigo 10.º). No que respeita à transmissão por morte, previa este diploma que, «[n]o caso de falecimento do titular de um certificado de aforro, poderá requerer-se, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão deste a favor de um dos herdeiros ou a respetiva amortização pelo valor que o certificado tiver à data em que a mesma se efetuar» (artigo 18.º). Findo este prazo, ex vi do artigo 19.º, «consideram-se prescritos a favor do Fundo de regularização da dívida pública os valores representados nos respetivos certifi- cados, sendo, no entanto, aplicáveis ao caso as demais disposições em vigor relativas à prescrição.» A emissão destes certificados de aforro de «primeira geração» (entretanto designados da «série A») ces- sou com a aprovação do Decreto-Lei n.º 172-B/86 (artigo 2.º). Com o intuito de tornar a aplicação mais atraente e de potenciar a vocação destes títulos como «aglutinadores do aforro dos pequenos investidores», o diploma criou uma nova série (a denominada «série B»), estabelecendo o respetivo regime jurídico. Manti- veram-se as características essenciais destes títulos como «nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares» (artigo 3.º, n.º 1). Dos certificados – cuja desmaterialização só viria a ser contemplada no Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio (artigo 11.º) – deveriam constar «o nome, a data de nascimento, o número do documento oficial de identidade e o número do aforrista, bem como o número do certificado, a data da sua emissão, a quantidade de unidades representadas, o valor global de aquisição e, se for caso disso, o nome de quem o poderá movimentar» (artigo 6.º, n.º 1). Não estavam sujeitos a um prazo de vencimento e poderiam ser constituídos por qualquer número de unidades (artigo 3.º, n.º 2), com períodos de capitalização de três meses sobre a data da emissão (artigo 9.º, n.º 2). O reembolso da totalidade ou de parte das unidades constitutivas do certificado seria permitido a todo o tempo, desde que decorridos três meses após a sua emissão, sendo certo que o reembolso parcial daria lugar à emissão de um novo certificado «representativo das unidades remanescentes, mantendo esse novo certificado de aforro a data de emissão do primitivo» (artigos 9.º, n.º 1, e 10.º).
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=