TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL adquirir bens por morte nem constitui em si mesma uma «preterição de todo o regime jurídico civil»; tratando-se aqui de títulos nominativos, nunca a transmissão por morte se poderia efetuar por mero apossamento, o efeito produzido pela aceitação da herança; os certificados de aforro na posse do herdeiro encontram-se titulados em nome do de cujus , tornando-se indispensável uma formalidade para que a transmissão da titularidade tenha lugar, exigindo a lei do herdeiro, em plena consonância com a natureza dos bens em causa, o exercício de um poder de escolha entre formas alternativas de efetivar a transmissão: a realização do valor económico dos títulos através do reem- bolso ou a emissão de novos certificados em nome do herdeiro com a data de emissão dos antigos; ao impor sobre o herdeiro o ónus de observar certa formalidade, o regime não só não restringe a liberdade de transmissão por morte, como consubstancia a condição da sua viabilidade no que res- peita a esta categoria de bens. IV - Compreende-se a razão de ser da imposição de um prazo e a cominação de efeito prescritivo pelo seu transcurso – se a lei não exigisse que o direito fosse exercido num determinado prazo, associando- -lhe a consequência normal da prescrição, o herdeiro não teria nenhum incentivo para efetivar a transmissão, bastando-se com a posse dos títulos até requerer o respetivo reembolso, criando-se com o decurso de um tempo longo uma situação de incerteza sobre a pretensão do possuidor de exercer o seu direito, com reflexos na definição pelo devedor do montante efetivo do passivo e no planea- mento racional dos seus interesses financeiros – no caso dos certificados de aforro, a gestão da dívida pública; acresceria a possibilidade de o direito não ser exercido por gerações sucessivas de herdeiros, entre as quais a posse dos títulos originários se iria transferindo, tornando-se cada vez mais difícil a reconstituição da cadeia de transmissão e a determinação da legitimidade de um portador que viesse um dia a requerer o reembolso. V - Ainda que se aceite que a imposição de um prazo prescricional para o exercício do direito à transmis- são dos títulos constitui uma restrição do direito de propriedade, é indubitável que se trata de uma medida legítima que não ofende a proibição do excesso, prendendo-se a sua razão de ser com preocu- pações de segurança jurídica, nomeadamente obviar à incerteza gerada pela inércia do possuidor no exercício do seu direito e pela possibilidade de transferência sucessiva da posse por via sucessória; e o meio usado para atingir estas finalidades legítimas – um prazo de prescrição – é adequado, necessário e proporcional, os três testes em que se desdobra o princípio da proibição do excesso: adequado porque cria um incentivo para que o direito seja exercido e põe fim à incerteza gerada pelo seu não-exercício dentro de um prazo razoável; necessário porque só a imposição de um prazo prescricional permite alcançar tal desiderato, de harmonia, aliás, com a solução geral da prescritibilidade dos créditos; e proporcional, no sentido estrito do termo, porque o prazo de dez anos é mais do que suficiente, em condições normais, para assegurar que o não-exercício do direito é imputável à inércia do titular, não violando a norma sindicada a garantia constitucional da liberdade de transmissão mortis causa da pro- priedade privada. VI - Embora no caso dos certificados de aforro, em que o devedor é o Estado, a prescrição seja natural- mente «a favor» do Estado, através do Fundo de Regularização da Dívida Pública, porque o reem- bolso dos títulos deixa de lhe ser exigível, a prescrição constitui uma ablação patrimonial, sem com isso possuir natureza expropriatória; não há dúvida, quanto à norma sindicada no presente recurso, de que é do interesse público que em algum momento cesse a indefinição relativa aos certificados de aforro cuja titularidade ou reembolso não são reclamados pelos herdeiros, porém, a prescrição a favor do Fundo de Regularização de Dívida Pública dos valores correspondentes a tais títulos não visa,
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