TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

525 acórdão n.º 393/20 definir, em cada momento histórico, a política habitacional a empreender e, sobretudo, ao selecionar os meios de promoção e regulação da oferta e/ou da procura habitacional necessários para esse efeito, se abstenha de o fazer em termos tais que admitam a privação arbitrária, sem fundamento razoável ou em condições despropor- cionadamente onerosas da habitação alcançada através do contrato de arrendamento. Saber a solução constante dos artigos 30.º e 31.º, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, reflete a observância desse dever é o que se procurará perceber nos pontos seguintes. 18. Reconduzindo-se ao direito do arrendatário a não ser arbitrariamente privado da habitação a que acedeu por essa via, a posição jusfundamental afetada pela norma sindicada apresenta, de acordo com o cri- tério enunciado no Acórdão n.º 101/92 (e reafirmado no Acórdão n.º 406/07), uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias. Tal critério é o mesmo com base no qual o Tribunal vem reconhecendo natureza análoga a outras dimensões do direito de propriedade para além daquela que corresponde ao «direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública» e «mediante o pagamento de justa inde- minização».  Trata-se, conforme notado no recente Acórdão n.º 299/20, das «dimensões que consubstanciem «aquele “radical subjetivo” que o aproxima dos direitos fundamentais subjetivos de tipo clássico, negativos, diretamente invocáveis» (Parecer n.º 32/82 da Comissão Constitucional); que sejam «essenciais à realização do Homem como pessoa» (Acórdãos n. os 329/99 e 187/01); […] ou que se mostrem indispensáveis à con- ceção do direito de propriedade como garantia de “espaço de autonomia pessoal” (Acórdão n.º 374/03)». O direito do arrendatário a não ser arbitrariamente privado da habitação que o contrato lhe propicia, além de apresentar a estrutura típica dos direitos de defesa, constitui um pressuposto material da possibili- dade de efetivação dos demais direitos e liberdades inerentes ao estatuto do ser-pessoa, beneficiando, tam- bém nessa medida, da proteção conferida pelo regime próprio dos limites às leis restritivas que se encontra definido no artigo 18.º da Constituição, em particular pelo princípio da proibição do excesso acolhido no respetivo n.º 2. De acordo com a metódica assente no triplo teste desde há muito seguida na jurisprudência deste Tribu- nal (cf. Acórdão n.º 634/93), a proibição do excesso supõe que a medida seja adequada aos fins que através dela se prosseguem; que essa medida seja exigida para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para assegurar o mesmo desiderato; e, por fim, que o resultado obtido seja proporcional à carga coativa que a medida comporta, aferida pelo grau de afetação da posição jusfundamen- tal em causa. No caso presente, não está em causa a possibilidade, em si mesma, de o legislador admitir ou promover a transição para o NRAU de contratos de arrendamento celebrados antes da vigência do RAU, dentro de certos limites e sob determinadas condições. Também não está em causa a possibilidade, em si mesma, de, com vista a assegurar uma definição efetiva e célere do estatuto do arrendamento, o mesmo legislador atribuir valor negocial positivo ou efeito cominatório pleno ao silêncio do arrendatário, quando interpelado pelo senhorio através da comunicação que desencadeia o procedimento extrajudicial tendente a fazer transitar o vínculo locatício para o NRAU. Nenhum desses aspetos do regime aplicável, isoladamente considerado ou mesmo em resultado da sua conjugação, foi contestado pelo tribunal recorrido quanto à sua conformidade constitucional. A solução legal cuja aplicação o tribunal recorrido considerou vedada pela relação de equilíbrio ou justa medida postu- lada pelo princípio da proibição do excesso é apenas a de que tais efeitos se produzam sem que o arrendatário haja sido previamente informado das faculdades que pode exercer no âmbito do procedimento de transição desencadeado pelo senhorio, e sem que haja sido advertido das consequências em que incorre em resultado de uma sua eventual inação. A medida implicada na norma sindicada é, assim, a que resulta da convergência desses três elementos: falta de resposta do arrendatário à comunicação do senhorio; aceitação da proposta por este apresentada quanto ao valor da renda, tipo e duração do contrato, e transição do mesmo para o NRAU; dispensa de

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