TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL se este não se pronunciar no prazo de 30 dias contados da receção daquela, efeito que se produzirá, assim, no plano da atribuição legal ao silêncio do destinatário de determinada proposta negocial do valor correspon- dente ao da declaração da sua aceitação.  A segunda possibilidade – que colocará o presente caso diretamente em linha com as hipóteses aprecia- das nos Acórdãos n. os 277/16 e 440/19 – passa por evidenciar a similitude existente entre a tramitação que integra o procedimento extrajudicial regulado nos artigos 30.º a 37.º do NRAU e as regras previstas para a ação declarativa no Código de Processo Civil. Deste ponto de vista – sustentado, na doutrina, por Francisco de Castro Fraga – «[a] iniciativa do senhorio constitui como que uma petição inicial de um processo a que seguirão, naturalmente, a contestação (resposta do arrendatário) e a réplica (contra resposta do senhorio). O conjunto das três comunicações con- figura um processo negocial obrigatório, com regras que foram claramente inspiradas no processo civil […]. A comparação com as regras processuais ajuda a compreender as soluções legislativas adotadas (e, desde logo, o cuidado posto na receção, pelo arrendatário, da comunicação do senhorio, regulamentando-a quase como se tratasse da citação para uma ação judicial» (Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, Leis do Arren- damento Urbano Anotadas, coordenação: António Menezes Cordeiro, Coimbra, Almedina, 2014, p. 484). 17. Quer seja encarada como um problema relativo aos limites da intervenção do legislador na seleção e conformação dos procedimentos negociais compatíveis com a atribuição de eficácia declarativa ao silêncio de uma das partes, quer o seja como um problema respeitante à margem de discricionariedade legislativa no estabelecimento dos ónus que informam o procedimento e das cominações ou preclusões que resultam da sua inobservância por qualquer dos intervenientes, a questão de constitucionalidade que cumpre resolver não difere na sua essência: trata-se, em qualquer dos casos, de verificar se o legislador se encontra constitu- cionalmente autorizado, desde logo em face do direito à habitação consagrado no n.º 1 do artigo 65.º da Constituição, a estabelecer uma relação de causa-efeito entre a inação do arrendatário e a conversão do vín- culo locatício no contrato proposto pelo senhorio, sem que o primeiro tenha sido previamente informado das faculdades que lhe assistem na reação a essa proposta e advertido das consequências que a lei associa à sua eventual inércia.  Tendo por conteúdo «o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família» (Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Jorge Miranda/Rui Medeiros, Volume I, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, pp. 958 e seguintes), o direito à habitação consagrado no artigo 65.º, n.º 1, da Constituição, apresenta uma dupla natureza ou dimensão. Desde há muito reconhecida na jurisprudência constitucional, essa dupla vertente do direito à habitação foi explicitada no Acórdão n.º 101/92 nos termos seguintes:  «(1) de um lado, consiste no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma, revestindo então a forma de «direito negativo», ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos «direitos, liberdades e garantias» (cfr. artigo 17.º); (2) de outro lado, o direito à habitação consiste no direito de a obter, traduzindo-se na exigência das medidas e prestações estaduais adequadas a realizar tal objectivo.  Neste sen- tido, constitui um verdadeiro e próprio «direito social», implicando enquanto tal determinadas obrigações positivas do Estado (n. os 2, 3 e 4 do artigo 65.º) que conferem àquele a natureza de direito positivo que justifica e legitima a pretensão do cidadão a determinadas prestações (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,  1.º vol., 2.ª edição, pp. 345 e 346).» No caso presente, é a dimensão negativa do direito à habitação que importa considerar. É certo que, em matéria de conformação do regime do arrendamento habitacional, dela não decorre para o legislador uma «obrigação geral de manter as soluções jurídicas anteriormente estabelecidas», sempre que mais favoráveis à posição do arrendatário (Acórdão n.º 465/01). O que dela para o legislador resulta é o dever de, ao

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