TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

523 acórdão n.º 393/20 – sem as comprovar no momento devido e que até à comunicação da intenção do senhorio de fazer transitar o seu contrato de arrendamento para o NRAU gozava de um direito consolidado ao locado com uma certa renda, fica, por força de tal norma, numa situação muito precária, já que o seu direito à habitação no locado e a garantia de uma renda ajustada ao seu rendimento ficam dependentes da boa vontade do senhorio. Ou seja, numa fase já muito avançada da vida, e em que dificilmente encontrará soluções equivalentes à que tinha por consolidada, o arrendatário pode, contra a sua vontade, ver-se confrontado com um contrato de arrendamento com prazo certo e, portanto, sujeito a caducidade, e, ou, com uma renda de valor demasiado elevado para o seu nível de rendimentos (cfr. supra os n. os 5.3. e 5.4.).» O juízo formulado no Acórdão n.º 277/16 foi recentemente secundado no Acórdão n.º 440/19, que julgou inconstitucional, «por violação do princípio da proporcionalidade ínsito ao princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, a interpretação normativa da alínea c) do n.º 7 do artigo 36.º e do n.º 5 do artigo 35.º do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, e retificada pela Declaração de Reti- ficação n.º 59-A/2012, de 12 de outubro), segundo a qual os arrendatários a que se refere o artigo 36.º, que no mês correspondente àquele em que foi invocada a circunstância relativa ao RABC do agregado familiar, e pela mesma forma, não fizerem prova anual do seu rendimento perante o senhorio, ficam automaticamente impedidos de poder prevalecer-se desta circunstância, mesmo que não sejam alertados pelos senhorios para a necessidade de a apresentar». Tratando-se, desta vez, do ónus de apresentação anual (e não inicial) dos documentos comprovativos dos regimes de exceção de que os arrendatários podem beneficiar, considerou-se, no referido aresto, não apenas «desproporcionadamente onerosa para a arrendatária a consequência adveniente da inobservância do ónus em questão, como especialmente desnecessária e injustificada uma tal exigência – sobretudo quando imposta em momento em que os serviços de finanças competentes não poderiam emitir qualquer documento com- provativo do RABC relativo ao ano civil anterior, por ainda não ter sido, sequer, iniciado o procedimento tendente à liquidação e cobrança de IRS.».  16.   Diversamente das hipóteses apreciadas nos referidos arestos, a norma que integra o objeto do pre- sente recurso diz respeito à medida das consequências que a lei associa à inobservância pelo arrendatário, não do ónus de comprovação de circunstâncias pressupostas pela aplicação do regime de exceção previsto para situações de especial vulnerabilidade atempadamente invocadas perante o senhorio, mas do próprio ónus de reação à comunicação com que este dá início ao procedimento negocial tendente a operar a transição para o NRAU. Mais concretamente, está em causa saber se a falta de resposta àquela comunicação pode valer como aceitação da proposta do senhorio quanto à transição do contrato de arrendamento para o NRAU, ao tipo de contrato, à sua duração e ao valor da renda, sem que ao arrendatário tenham sido comunicadas as alternativas de que dispõe – isto é, as faculdades que lhe permitem condicionar, diferir ou até mesmo frustrar a transição do contrato para o NRAU – e sem que o mesmo tenha sido previamente advertido do efeito que a lei atribui ao seu eventual silêncio. À partida, são duas as possibilidades que se colocam quando se trata de enquadrar dogmaticamente a solução constante do n.º 6 do artigo 31.º da Lei n.º 6/2006, na versão ora considerada. A primeira alternativa passa por reconduzi-la ao âmbito da teoria do negócio jurídico, mais concreta- mente ao valor do silêncio enquanto declaração negocial. Sob tal perspetiva, o n.º 6 do artigo 31.º constituirá uma norma legal que, em linha com as exceções contempladas no n.º 1 do artigo 218.º do Código Civil, atribui ao silêncio do arrendatário o valor declara- tivo de aceitação da proposta negocial apresentada pelo senhorio, nos exatos termos que dela constam quanto ao valor da renda, tipo e duração do contrato, originando-se assim, através do encontro dessas duas decla- rações – proposta expressa e aceitação ficta –, a formação de um novo contrato de arrendamento, sujeito ao NRAU. A proposta que dá corpo à comunicação efetuada pelo senhorio considera-se aceite pelo arrendatário

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