TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL na hipótese de tal norma não vir a ser julgada inconstitucional – caso em decairá o fundamento que permitiu ao tribunal recorrido concluir que o contrato de arrendamento em discussão nos autos não se convertera num contrato com prazo certo –, ganhará utilidade o confronto com a Constituição do regime a que, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 no artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei n.º 6/2006, tal contrato passou a ficar sujeito, não apenas em matéria de denúncia, como, na perspetiva do tribunal a quo, também de oposição sua à renovação, quando provindas do senhorio. B. Do Mérito 11. De acordo com a ordem de apreciação fixada, a primeira questão a decidir consiste em saber se é compatível com a Constituição a norma extraível dos artigos 30.º e 31.º, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, na reda- ção conferida pela Lei n.º 31/2012, «segundo a qual a ausência de reposta do arrendatário à proposta do senhorio quanto à transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano, quanto ao tipo de contrato, quanto à sua duração e quanto ao valor da renda, significa, sem que ao arren- datário tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito cominatório associado ao seu eventual silêncio, a sua aceitação quanto à transição do contrato, quanto ao seu tipo, quanto ao seu prazo e quanto ao valor da renda». Ou, numa formulação porventura mais condensada, a norma extraível dos artigos 30.º e 31.º, n.º 6, da Lei n.º 6/2006, na redação conferida pela Lei n.º 31/2012, segundo a qual a falta de resposta do arrendatário à comunicação prevista no artigo 30.º determina a transição do contrato para o NRAU e vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio, ficando o contrato submetido ao NRAU, sem que ao primeiro tenham sido comunicadas as alternativas que lhe assistem e sem que o mesmo tenha sido advertido do efeito associado ao seu eventual silêncio. A norma impugnada inscreve-se no âmbito do regime que disciplina o procedimento facultado ao senho- rio para fazer transitar para o NRAU, com as especificidades a que alude o artigo 28.º da Lei n.º 6/2006, na versão resultante da Lei n.º 31/2012, os contratos de arrendamento para fins habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do RAU. Para melhor compreender o sentido e alcance da solução em causa, há determinados aspetos do regime do contrato de arrendamento urbano para habitação e, sobretudo, da evolução que o mesmo conheceu a partir da Lei n.º 6/2006, que convém começar por considerar. 12. Antes da entrada em vigor do RAU, ocorrida em 15 de novembro de 1990, os contratos de arren- damento para habitação regiam-se pelo regime geral constante do Código Civil, de pendor acentuadamente vinculístico e caracterizado, como se sabe, pela imposição de um significativo conjunto de restrições à liber- dade contratual das partes, tendo em vista a estabilidade do vínculo contratual e a proteção da posição habi- tacional do locatário. No artigo 1095.º do Código Civil, estabelecia-se então um princípio de prorrogação obrigatória ou automática dos contratos de arrendamento, impondo-se a respetiva renovação ao locador findo o prazo de duração convencionado pelas partes ou supletivamente estabelecido na lei. A faculdade de denúncia livre e discricionária do contrato encontrava-se, por isso, reservada em exclusivo ao arrendatário, ao senhorio apenas assistindo o direito de se opor à renovação do vínculo locatício nas hipóteses, muito excecionais, então previstas no n.º 1 do artigo 1096.º do referido Código. Com a entrada em vigor do RAU, passou a existir uma alternativa de regime, representada pelos contra- tos de duração limitada (artigos 98.º a 106.º). A par do regime vinculístico, que deixou de ser imperativo e acabou por converter-se numa escolha cada vez menos frequente das partes, o ordenamento jurídico passou a contemplar a possibilidade de celebração de contratos de arrendamento, pelo prazo mínimo de 5 anos, que qualquer das partes podia denunciar livremente caso não desejasse a sua renovação (artigo 100.º, n.º 1). Com a aprovação do NRAU, levada a cabo pela Lei n.º 6/2006, o regime vinculísitico foi em larga medida abandonado.

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