TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
511 acórdão n.º 393/20 O primeiro fundamento invocado no acórdão recorrido diz respeito à irrelevância que a Lei n.º 31/2012 veio atribuir à circunstância de, à data da sua entrada em vigor, o arrendatário haver completado já 30 anos de permanência no local arrendado, nessa qualidade. Para estabelecer o sentido e alcance de tal constatação, o tribunal a quo começou por ater-se ao regime da denúncia do contrato de arrendamento pelo senhorio aplicável tanto aos contratos habitacionais celebrados durante a vigência do RAU, como, por força da remissão constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, aos arrendamentos para habitação celebrados antes da vigência do RAU. Atentando nas especificidades a que tais contratos ficaram submetidos de acordo com as normas de direito transitório constantes da Lei n.º 6/2006, o tribunal recorrido relembrou que, por força do «artigo 26.º, n.º 4, al. a) do NRAU, na redação da Lei n.º 31/2012, e ao contrário do que sucedia na redação ori- ginal do NRAU (Lei n.º 6/2006 – artigo 26.º, n.º 4, al. a) ), no próprio RAU [artigo 107.º, al. b) e, antes deste, decorria já do preceituado no artigo 2.º, al. b) , da Lei n.º 55/79 de 15.09, deixou, a partir da entrada em vigor daquela Lei n.º 31/2012, de ser aplicável a previsão da alínea b) do artigo 107.º do RAU, ou seja, deixou de constituir facto impeditivo à denúncia do contrato de arrendamento para habitação anterior ao RAU, a circunstância de o arrendatário, à data em que a denúncia produziria os seus efeitos, se manter no arrendado há mais de 30 anos, nessa qualidade [..], sendo considerado a seu favor o tempo de que o trans- mitente já beneficiasse (artigo 107.º, n.º 2, do RAU)». E relembrou também que tal solução, na medida em que excluíra a possibilidade de o arrendatário opor à denúncia do contrato pelo senhorio a circunstância de haver completado já 30 anos de permanência no locado à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, fora censurada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 297/15, que julgou inconstitucional «a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, ao ofender o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha man- tido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2.º da CRP.» Socorrendo-se do julgamento levado a cabo no mencionado aresto, o tribunal recorrido frisou que «da alteração do artigo 26.º, n.º 4 alínea a) , introduzida pela Lei n.º 31/2012 (eliminação da remissão para a alínea b) do artigo 107.º do RAU) e da sua aplicação retroativa aos contratos de arrendamento para habita- ção celebrados antes do RAU por força do preceituado nos artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do NRAU, «resulta, a contrario , que passou a ser desconsiderada a circunstância de o arrendatário permanecer no local arrendado continuamente por período superior a trinta anos», mesmo nos casos «em que já tivesse decorrido integral- mente, no domínio da versão originária do citado artigo 26.º, n.º 4, e da alínea b) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, o tempo de permanência do arrendatário no local arrendado», ou seja, mesmo quando, à data de entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, os arrendatários já tivessem adquirido o direito à permanência no local arrendado com base na lei em vigor». 9. Se o juízo positivo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 295/15, que teve por objeto o regime da denúncia dos contratos de arrendamento para fins habitacionais celebrados durante a vigência do RAU – aplicável, por remissão, aos contratos celebrados antes do início dessa vigência –, constituiu indu- bitavelmente o ponto de partida do julgamento levado a cabo na decisão recorrida, já as ilações que desse juízo foram extraídas no caso sub judice e, sobretudo, o plano em que o tribunal a quo as situou, carecem de ser clarificados. Ao afirmar que os fundamentos constantes do Acórdão n.º 297/15 se apresentam «em moldes [..] aplicáve[is] à própria transição do contrato de arrendamento para o NRAU», o tribunal recorrido parece sugerir que o vício de inconstitucionalidade que esteve na base da procedência da apelação reside, não na insuficiência ou incompletude do elenco das especificidades de regime aplicáveis aos contratos de arrenda- mento para fins habitacionais celebrados durante a vigência do RAU – elenco previsto nas diversas alíneas
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