TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
509 acórdão n.º 393/20 Com efeito, aquele direito de se opor à cessação do contrato de arrendamento, seja por denúncia enquanto contrato sem prazo, seja por oposição à renovação após transição para o NRAU, é subtraído ao arrendatário quando referida alínea a) , do n.º 4, do artigo 26.º daquela lei limita a remissão para o RAU à alínea a) do artigo 107.º, eliminando a previsão da alínea b) . Isto é, a segurança e certeza que a arrendatária nos autos – como qualquer arrendatário, em abstrato, e em qualquer circunstância – havia adquirido de não poder ser desalojada do arrendado por nele permanecer, continua- mente, há mais de trinta anos, são-lhe retiradas em manifesta a despropositada desconformidade com o princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. Assim, e como bem se decidiu no douto acórdão recorrido, a alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012 no artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei 6/2006, é inconstitucional. Conclusão que, aliás, o Ministério Público identicamente subscreve concluindo que “a alteração introduzida pelo artigo 4.º da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, no artigo 26.º, n.º 4, alínea a) , da Lei 6/2006, de 27 de feve- reiro, ao ofender o direito do arrendatário à permanência no local arrendado quando aí se tenha mantido por um período superior a trinta anos integralmente transcorrido à data da entrada em vigor daquela lei, em violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito demo- crático contido no artigo 2.º da CRP é, portanto, materialmente inconstitucional.” (Ministério Público, alegações, pág. 3, fls.). Sendo-o, tem como consequência que o contrato de arrendamento em causa não transitou para o NRAU. Não tendo transitado, não se transmutou num contrato com prazo certo, pelo que não pode a recorrente pôr- -lhe termo nos termos em que o fez. Sem prescindir, 2.- Violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático consa- grado no artigo 2.º da Constituição da República (CRP). O artigo 30.º do NRAU, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 31/2012, impunha ao senhorio, na hipótese de pretender fazer transitar o contrato de arrendamento para o NRAU, que, ao dar ao arrendatário nota dessa sua intenção, lhe comunicasse “a) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana; c) cópia da caderneta predial urbana”. Sem mais. Neste enquadramento, a então senhoria C., Lda., remeteu à recorrida carta com a proposta de passar o contrato para “tipo prazo certo com a duração de 5 anos, renovável por períodos de 3 anos” (contestação, doc. n.º 2, fls.), omitindo as consequências de não lhe ser dada resposta, designadamente a de tal importar na aceitação da proposta e de que se poderia vir a opor imperativamente à renovação, fazendo unilateralmente cessar o contrato. Ora, este tipo de comunicação resulta para o comum dos cidadãos aparentemente inócua, fazendo crer que nada se substantivo se altera em relação a um contrato vigente, que automática e anualmente se renova. No entanto, é flagrante que as normas constantes dos artigos 30.º e 31.º-6 do NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, traduzem para as partes vantagens e ónus clamorosamente desproporcionais: de um lado – o do senhorio – uma exigência procedimental simples, do outro – o do inquilino – complexa. E, na inobservância do cumprimento dos ónus das partes, com consequências relativamente modestas para o senhorio e catastróficas para o arrendatário. Como, aliás, o legislador, ainda que tarde, se veio a aperceber e, por via disso, a alterar, através da Lei n.º 79/2014, o disposto naqueles artigos 30.º e 31.º do NRAU promovendo o reequilíbrio na onerosidade entre os sujeitos na relação, designadamente impondo ao senhorio o dever de esclarecer cabalmente o inquilino sobre as alternativas de que dispõe e as consequências do seu eventual não pronunciamento em tempo útil.
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