TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020
500 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL procura corresponder às preocupações de proporção e justiça que vieram a ser expressamente apontadas pelo Tribu- nal Constitucional ao regime introduzido pela Lei n.º 31/2012 no seu Acórdão n.º 277/2016 de 4.05.2016. [16] Nesse douto Acórdão, o Tribunal Constitucional ponderou, além do mais, que: - a proibição do excesso (ou da proporcionalidade em sentido amplo) constitui, tal como o princípio da proibição do arbítrio, uma componente elementar da ideia de justiça, razão por que aquele princípio pode reclamar uma validade geral; - este princípio constitui um princípio geral de limitação do poder público, que se ancora no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição; - o princípio da proibição do excesso pressupõe que entre o conteúdo da decisão do poder público e o fim por ela prosseguido haja sempre um equilíbrio, uma ponderação e uma justa medida; - existe, assim, violação do princípio da proporcionalidade se a medida em análise for considerada inade- quada (no sentido de ser inócua, indiferente ou até negativa, relativamente ao fim nela visado); desneces- sária (no sentido de existirem outros meios adequados alternativos mas menos onerosos para atingir o fim visado); ou desproporcionada (no sentido de que o ganho de interesse público inerente ao fim visado não justifica nem compensa a carga coativa imposta, gerando uma relação desequilibrada entre os custos e os benefícios); Com efeito, o regime legal dos artigos 30.º e seguintes do NRAU que prevê a troca de comunicações entre o arrendatário e o senhorio em vista da transição para o novo regime prossegue o objetivo precípuo de uma rápida definição do estatuto do contrato, ou seja, se o mesmo se continua reger pelo regime anterior (em caso de ausência de acordo entre o inquilino e o senhorio) ou se transita para o NRAU (em caso de acordo de ambos). Nesse sentido, compreende-se a imposição de diversos ónus ao arrendatário que seja confrontado com a intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU e de atualizar a renda comunicada nos termos do artigo 30.º Desde logo, um ónus de resposta à intenção do senhorio de submeter o contrato ao NRAU, já que falta de resposta do arrendatário vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato propostos pelo senhorio (artigo 31.º, n.º 6). Mas também um ónus de alegação de circunstâncias que podem condicionar ou, no limite, impedir a transição do contrato para o NRAU sem o acordo do arrendatário (artigo 31.º, n.º 4). E, ainda, um ónus de comprovação de tais circunstâncias no prazo concedido para a resposta (artigo 32º). Note-se, como se refere no aludido AC TC n.º 277/16, cuja lição aqui se segue de perto, que todos estes ónus são agravados pela circunstância de a referida comunicação do senhorio para início do procedimento de transição ser enquadrada exclusivamente pela lei, sem indicação das diferentes opções a favor do arrendatário e das respetivas consequências, em particular das consequências que emergem do silêncio do arrendatário e que, como resulta do regime antes exposto, podem ser particularmente gravosas para a manutenção do contrato de arrendamento e para a fixação do valor da renda. Por outro lado, como também se adverte no mesmo aresto, é de recordar que a refe- rida comunicação, além de iniciar um procedimento negocial disciplinado por regras «claramente» inspiradas no Código de Processo Civil, tem como destinatários normais pessoas já com uma certa idade, atenta a titularidade de um contrato de arrendamento celebrado antes da entrada em vigor do RAU (1990). Dito de outra forma, em nosso ver, a associação de um efeito cominatório inelutável à ausência de resposta do arrendatário perante a proposta do senhorio, aplicado sem qualquer menção das alternativas que se colocam ao arrendatário em face dessa proposta e sem qualquer aviso prévio quanto às suas consequências (que podem ser, como viu, especialmente gravosas para a posição do arrendatário) é tanto mais chocante quanto o quadro legal apli- cável se apresenta significativamente complexo e “incide sobre situações que a lei presume, justamente, serem de particular fragilidade, como é o caso dos autos, de pessoas sujeitas às limitações próprias da idade, frequentemente acompanhadas de doenças incapacitantes.” O mesmo Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em causa a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração
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