TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 108.º Volume \ 2020

498 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a cuja revisão procede. Quando se revê uma lei, em regra, é porque se pretende alterar o regime jurídico até então vigente.» No entanto, se é certo que não existe uma norma que, a nível constitucional, impeça a retroatividade (o que sucede, apenas, no domínio penal, no domínio fiscal e no das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias), essa retroatividade não pode violar “princípios constitucionais autónomos”, estando-lhe, pois, nesse enquadramento, vedado pôr em risco de forma inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, direitos ou expectativas legiti- mamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito e como salienta a doutrina firmada pelo Tribunal Constitucional «a lei viola aquele mínimo de certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito, violando o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República.» Ora, no caso dos autos, a recorrente, à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012 de 14.08, ou seja, em 12.11.2012 – cfr. artigo 15.º da mesma Lei -, mantinha-se no arrendado, nessa qualidade, de forma contínua desde a data em que o seu marido (falecido em 2005) o tomou de arrendamento há cerca de 60 anos, ou seja, há bem mais de 30 anos, à data de 12.11.2012. – cfr. artigo 107.º, n. os 1 al. b) e 2, do RAU – o que lhe conferia, pois, à luz do regime em vigor à data da entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, o direito de se opor à cessação do contrato de arrendamento, seja ela decorrente de denúncia ou de oposição à renovação do contrato, antes convertido em contrato com prazo certo por mor da sua transição para o NRAU. Consequentemente, no seguimento da doutrina do AC TC n.º 297 (e que se mostra acolhida também no AC TC n.º 277/16), há que concluir que a norma do artigo 26º, n.º 4 al. a) , da Lei n.º 6/2006 de 27.02, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14.08, ao limitar a remissão ali prevista apenas para a alínea a) do n.º 1 do artigo 107.º do RAU, desconsiderando a previsão da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 107.º, desprotegeu, de forma arbitrária e demasiadamente onerosa, a posição da arrendatária e ora Recorrente (que se encontrava no arrendado, à data de entrada em vigor da dita Lei n.º 31/2012 há mais de 30 anos) – impedindo-a de se opor, com tal fundamento, à denúncia ou à cessação do contrato de arrendamento por oposição à sua renovação. Violou, pois, em nosso ver e na esteira do aludido Acórdão do TC, esta solução legal os princípios da segurança e proteção da confiança, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático contido no artigo 2.º da CRP. Note-se que, neste conspecto, a atualização das rendas mais antigas e a consequente dinamização do mercado de arrendamento, sempre poderia ser alcançada pelo legislador em moldes que não implicassem necessariamente, nos casos dos arrendamentos mais antigos celebrados antes do RAU (em que existia uma tradição vinculística que o próprio NRAU na sua versão originária salvaguardou), a transição para o NRAU e para contratos de prazo certo e a consequente possibilidade de cessação do contrato por oposição do senhorio à sua renovação, bastando, para tanto, em nosso ver, contemplar essa atualização das rendas mais antigas em termos semelhantes aos que vieram a ser previstos nos artigos 33.º a 37.º da dita Lei n.º 31/2012, mas sem pôr em causa retractivamente direitos já antes consolidados e sobre os quais o arrendatário construiu as suas justas expectativas e a sua vida. Por conseguinte, tendo a douta sentença recorrida ao decretar a improcedência da ação desconsiderado aquele direito adquirido pela arrendatária e ora Recorrente e a inconstitucionalidade do citado artigo 26º, n.º 4 al. a) , da Lei n.º 6/2006 de 27.02, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012 de 14.08, daí decorre que a mesma sentença não se pode manter, antes se impondo, em nosso julgamento, recusar a aplicação da dita norma com aquele sen- tido/interpretação, o que implica a revogação da mesma sentença e a consequente procedência da ação proposta pela arrendatária, julgando inválida, para todos os efeitos, a transição do contrato arrendamento em causa para o NRAU e para o tipo de arrendamento com prazo certo e, logicamente, a sua subsequente cessação por oposição do senhorio à sua renovação. Mas se este fundamento seria, em nosso ver, o bastante ao decretamento da procedência da apelação, ainda um outro fundamento avulta nesse mesmo sentido, como em seguida se explicita. O artigo 30.º do NRAU, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2012, tinha a seguinte redação:

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